• Opinião

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    Marcos de Aguiar Villas-Bôas

    Isenção dos dividendos é erro grosseiro

    31/12/2015 02h00

    O Brasil tributava os dividendos com uma alíquota de 15% até 1995. Desde então, passaram a ser isentos do Imposto de Renda e as alíquotas da tabela do IR foram reduzidas.

    Os melhores trabalhos de política tributária do mundo nem falam em isentar os dividendos. O Reino Unido, a França, os nórdicos, a Austrália e outros países nem discutem isentar os dividendos. Procura-se a melhor forma de tributá-los, ainda que signifique aplicar uma alíquota baixa ou dar um crédito correspondente ao imposto pago na pessoa jurídica.

    A isenção dos dividendos gera muitos efeitos graves. Primeiro fraudes, pois empregados são feitos sócios apenas no papel e grupos de empregados criam empresas para reduzir os gastos trabalhistas dos seus empregadores e receberem a remuneração em dividendos.

    Em segundo lugar os planejamentos que beiram a simulação, pois os sócios que trabalham nas empresas passam a ter salários menores e fazer retiradas maiores em dividendos.

    Gera também distorções nos investimentos, que deveriam ter um tratamento tributário similar e cobra-se menos imposto de quem tem mais renda, pois, em regra, os sócios de empresas são pessoas abastadas e as famílias abastadas do país quase sempre são grandes acionistas de empresas.

    Por último, aumenta-se outros tributos, pois a perda de arrecadação termina exigindo recuperação das receitas. A isenção dos dividendos, com outras medidas que reduziram a arrecadação federal, geraram os nocivos PIS (2002) e Cofins (2003) não-cumulativos, que contribuem para a vergonhosa carga tributária da indústria e do comércio do Brasil, e geram altos gastos administrativos para fisco e cidadão.

    Frente a tantos efeitos negativos, qual a genial sacada brasileira para se isentar os dividendos? Não se sabe. Alega-se fomento aos investimentos. Analisemos, então, se, na literatura e na prática estrangeiras, isentar dividendos gera investimentos e crescimento, e, mais importante, chequemos se o Brasil obteve benefícios que superassem os custos apontados.

    Estudos que utilizaram como base a diminuição da tributação dos dividendos em 2003 nos Estados Unidos demonstram que houve pouca influência nos investimentos, pois um dos seus efeitos foi elevar o preço das ações, o que reduziu parte do ganho dos acionistas.

    Além disso, muitas empresas investem em seus projetos por meio dos lucros retidos. Com mais distribuição, há menos retenção na empresa, e a sobra de renda dos sócios pode ser simplesmente usada por eles no consumo, e não reinvestida.

    Não se tem conhecimento de qualquer estudo profundo como esses realizados no exterior para entender quais foram os efeitos da isenção dos dividendos no Brasil.

    As fraudes e os planejamentos são observados no dia a dia. Estudos demonstram a queda da progressividade da tributação. Há provas de que a isenção dos dividendos é ruim e há teorias e práticas estrangeiras que endossam o argumento. Apenas não se conhece uma prova sequer de que isentar os dividendos foi bom para o Brasil.

    Analisemos brevemente as alterações no PIB e na taxa de investimento do país. O PIB cresceu 4,3% em 1995. Com as medidas tributárias que começaram a valer em 1996, o crescimento do PIB caiu para 2,2%. Houve uma melhoria em 1997, quando o aumento foi de 3,4%, e depois quase não houve crescimento em 1998 (0,4%) e em 1999 (0,5%).

    Segundo o IBGE, a taxa de investimento no país era de 20,5% em 1995. Ela passou a ser 18,6% em 1996, 19,1% em 1997, 18,5% em 1998 e 17% em 1999.

    Essas séries históricas sugerem que as péssimas desonerações tributárias vigentes a partir de 1996 geraram pouca ou nenhuma melhoria de crescimento no PIB ou na taxa de investimento. Pelo contrário, houve oscilação em 1996 e 1997, seguida de dois anos terríveis para o país.

    O Brasil precisa estudar mais a teoria e a prática dos países desenvolvidos. Tem-se tomado medidas tributárias grosseiras, talvez mais pautadas em interesses políticos e privados do que em sólidos fundamentos socioeconômicos.

    O país precisa tributar os dividendos, elevar muito a progressividade do IRPF e, em contrapartida, fazer uma grande reforma da tributação do consumo, pois essa sim irá elevar o PIB e a taxa de investimento, conforme também indicam a literatura e a prática estrangeiras.

    MARCOS DE AGUIAR VILLAS-BÔAS, professor universitário, Doutor pela PUC-SP, é conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda e pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

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