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    editorial

    Síntese perturbante

    12/01/2016 02h00

    Dada a importância do tema e a atenção insuficiente que tem recebido, a Assembleia Geral da ONU houve por bem aprovar em dezembro uma resolução em que reconhece o saneamento básico como um direito humano específico, distinto do direito à água potável.

    Calcula-se que mais de 2,5 bilhões de pessoas vivam sem acesso adequado a sistemas de esgoto em todo o mundo, em uma situação que não somente afeta a dignidade mas também favorece a transmissão de doenças infecciosas, como cólera, hepatite e febre tifoide.

    Pelo impacto negativo que a falta de saneamento provoca em outras esferas, como saúde, bem-estar e educação, não há exagero em afirmar que um país jamais poderá ser considerado de fato desenvolvido enquanto permitir que parcelas expressivas de sua população morem em domicílios sem ligação com a rede coletora de esgoto.

    Por esse critério, infelizmente, o Brasil parece condenado ao subdesenvolvimento por muitos anos. De acordo com os dados mais recentes (2013), 85% dos domicílios contam com fornecimento de água, mas a fatia que dispõe de coleta de esgoto é vergonhosamente menor: 58%.

    Ainda pior, estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) mostra que, no ritmo atual, a universalização do serviço de saneamento básico ocorrerá apenas depois de 2050, pelo menos duas décadas mais tarde que o previsto no plano oficial do governo federal.

    Com base no andamento das obras nesse setor, a CNI conclui que seria preciso dobrar o volume de gastos para levar água tratada a 100% das residências até 2023 e ligar à rede coletora cerca de 90% dos domicílios até 2033.

    Isso num cenário em que foram aplicados cerca de R$ 10 bilhões ao ano (em valores atualizados) de 2009 a 2013. Não será surpresa se a cifra, em vez de aumentar, vier a diminuir neste período de crise econômica –retardando ainda mais o cronograma.

    A demora traz prejuízos ao próprio Estado. A Organização Mundial da Saúde afirma que se economizam R$ 4 na área da saúde a cada R$ 1 investido em saneamento.

    Mesmo que houvesse dinheiro, porém, outro obstáculo talvez impusesse o deplorável atraso. Para a CNI, o principal vetor da perda de tempo nas obras é a burocracia; projetos apresentados pelos municípios recebem recursos federais quase dois anos depois, quando a realidade urbana às vezes se modificou de modo substantivo.

    O campo sanitário, como se vê, constitui síntese perturbante das graves deficiências do Estado brasileiro: milhões de pessoas são privadas de um requisito civilizacional básico, mas o poder público por aqui, assim como em tantos países subdesenvolvidos, revela-se incapaz de enfrentar essa mazela.

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