• Opinião

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    CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA

    Nova medida provisória sobre acordos de leniência vai gerar impunidade? Sim

    16/01/2016 02h00

    LEI DESFIGURADA, ACORDÃO A CAMINHO

    A verdade é espantosa: o governo federal desfigurou a Lei Anticorrupção em vigor há menos de três anos com a edição da medida provisória 703. E o motivo é óbvio. Apesar de imperfeita, a lei nº 12.846, permitiu que a Operação Lava Jato celebrasse acordos de leniência com algumas das empreiteiras envolvidas no escândalo.

    Esses acordos revelaram estruturas sistêmicas de corrupção de agentes públicos e políticos, em benefício de empresas em obras federais, e da estrutura político-partidária que sustenta o governo.

    Assim, minado pelos seguidos crimes revelados, o governo atropelou mudanças legislativas discutidas no Congresso, em urgência que somente se explica pela necessidade de estancar essas revelações.

    Enquanto se discutia a possibilidade de expropriação do controle de empresas corruptas ou a impossibilidade de acordo sem a participação do Ministério Público, a edição sorrateira da medida provisória, em pleno recesso, trouxe mudanças que interessam, em essência, às empreiteiras investigadas.

    A medida provisória 703 simplesmente extinguiu os incentivos para que empresas efetivamente colaborem com as investigações. Anulou a exigência de que apenas a primeira empresa do conluio predisposta a colaborar possa celebrar o acordo. Essa regra instituía o "dilema do prisioneiro", um incentivo à quebra da unidade, do silêncio entre os corruptos.

    Além disso, não mais exige que o novo acordo somente ocorra com provas de corrupção em outros órgãos. Revogou ainda a admissão de culpa, trocando-a por responsabilização objetiva, sem que a empresa seja obrigada a entregar provas contra seus gestores. Enfim, todas as mudanças necessárias para viabilizar o "acordão".

    A justificativa dessa mudança não convence nem o mais ingênuo. Buscando a estratégia do medo, o governo afirma que esse esforço busca garantir o ressarcimento da Petrobras e evitar um mal maior à economia brasileira. Na verdade, é o patrimônio dos acionistas, de pessoas e famílias poderosas, muitos dos quais respondem a acusações criminais, que está sendo salvo pelo favor do governo.

    Essas empreiteiras, com décadas de atuação em um modelo de negócio corrupto, não fizeram mal apenas aos cofres públicos, dilapidados pelos preços onerosos que a corrupção e o cartel impõem, mas também sempre foram nefastas ao surgimento de empresas que trabalham licitamente.

    Como realizar negócios quando os concorrentes corrompem estruturas partidárias dentro do governo para ganhar licitações? A expertise está em nossos engenheiros, nossos mestres de obra, os quais seriam rapidamente absorvidos por novas empresas, e não nessas estruturas espúrias decorrentes de nosso capitalismo de compadrio.

    O que fica claro é que assinamos tratados internacionais contra a corrupção apenas para "inglês ver", fazemos leis para não pegarem, temos estruturas ineficientes para criar as dificuldades. Mesmo quando uma lei é cumprida e as instituições trabalham, como na Operação Lava Jato, a solução do governo é mudar a lei para continuar tudo como antes.

    Que país desejamos? Não podemos concordar com um modelo econômico baseado na corrupção e nos cartéis. Não importa quanto custe, devemos enfrentar isso como um dependente que enfrenta o vício. Não há caminho fácil, nem indolor. Se o combate à corrupção falhar, talvez tenhamos que esperar décadas por outra oportunidade.

    CARLOS FERNANDO DOS SANTOS LIMA, procurador regional da República, é mestre pela Universidade Cornell (EUA) e membro da força tarefa da Operação Lava Jato

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