• Opinião

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    editorial

    Chutes na lama

    23/01/2016 02h00

    Está difícil dizer onde os governos federal e mineiro erraram mais no caso do rompimento das barragens da Samarco, o maior desastre ambiental do país.

    Três semanas após a tibieza da reação imediata à onda de lama, Brasília, Minas Gerais e Espírito Santo anunciaram com estardalhaço que iriam processar a mineradora. Estranhou-se que o caso, complexo e certamente longo, fosse levado à Justiça, que não prima por agilidade e preparo especializado.

    A ação promovida pela Advocacia-Geral da União exigia que a Samarco e suas proprietárias, Vale e BHP Billiton, depositassem R$ 2 bilhões anuais, por uma década, para custear saneamento e remediação. Com efeito, o total de R$ 20 bilhões obteve forte repercussão, embora fosse de todo misterioso por qual via se chegara a ele.

    Bastaram menos de dois meses para ver tanta determinação e dureza se esvaírem em dúvida e opacidade. Reuniões promovidas em Brasília e Belo Horizonte nesta semana exalaram sinais de um início de afrouxamento nas exigências pecuniárias às empresas.

    "Até remédio na dose errada mata o doente", disse após um dos encontros Onofre Batista Júnior, advogado-geral de Minas, segundo o jornal "O Tempo". Não ficou claro se isso quer dizer que Samarco, Vale e BHP já ficarão isentadas de depositar os valores exigidos.

    Não se pode afirmar com segurança que um eventual adiamento seja absurdo, até porque o montante assinalado sempre pareceu provir de um palpite federal –de um chute, como se diz. Na falta de plano concreto sobre o que e quando fazer, o poder público se valeu da cifra para dar a impressão de que agia com o máximo rigor.

    Das tais reuniões resultou que agora, sim, se inverterá o processo: primeiro, definir as ações necessárias, para só então orçá-las. O programa, segundo a Advocacia-Geral da União, estará concluído na primeira semana de fevereiro. Uma fundação bancada pelas mineradoras arcará com a conta.

    Cabe aos governos federal e estaduais, contudo, reafirmar o princípio de que se gastarão tantos bilhões quantos forem necessários para remediar a catástrofe, ainda mais quando se avolumam os indícios de que a Samarco tinha ao menos conhecimento parcial dos riscos de ruptura da barragem.

    O ritmo e a magnitude do dispêndio não podem ficar condicionados à disponibilidade financeira da Samarco; há que comprometer também as sócias Vale e BHP Billiton, se preciso.

    Muita lama e águas turvas marcaram a tragédia de Mariana e suas vítimas. O momento pede justa responsabilização e, não menos importante, transparência.

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