• Opinião

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    Felipe Zaltman Saldanha

    Meu nome está à venda

    01/02/2016 02h00

    O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) analisou recentemente um recurso de apelação no caso envolvendo as marcas Sommer e Marcelo Sommer, que, embora inicialmente criadas pelo estilista Marcelo Sommer, foram posteriormente alienadas como parte da aquisição da empresa Sommer Confecções.

    Quando da transação, o estilista concordou em não concorrer com a empresa adquirente e deixar de utilizar tais marcas. Porém, anos depois, a C&A Modas lançou uma linha de produtos assinada pelo estilista, com etiquetas que traziam a indicação "Coleção Sommer".

    A questão não é nova. Inúmeros juristas já se arriscaram a analisar as marcas formadas por nome civil ou patronímico (que levam o sobrenome paterno de seu criador). Não obstante, o tema permanece altamente controverso.

    Poderia um indivíduo alienar seu nome, ainda que como marca? E, caso positivo, quais os limites de tal alienação? Estaria ele eternamente vinculado ao contrato e, portanto, impedido de usar seu próprio patronímico para fins futuros de denominação de produtos? Não haveria um direito de se arrepender sobre a alienação da marca?

    Os debates filosóficos que permeiam a questão a tornam intrigante e complexa. Englobam a possibilidade de um indivíduo dispor de elementos relacionados à sua própria personalidade e dignidade, afetando questões que permanecem tabus em nossa sociedade. Afinal, na modernidade, o limite entre o exercício completo da liberdade pessoal e a interferência do poder público na esfera privada ainda não foi perfeitamente traçado.

    Os limites que o Estado impõe sobre o nome civil impressionam por seu rigor. A Lei de Registros Públicos prevê os casos em que estará autorizada a alteração do nome civil. Isso porque o nome é visto não só como parte integrante da dignidade de um indivíduo, mas contém um indissociável teor informativo frente à coletividade.

    Em tempos de ampla utilização das mídias digitais, resta ainda mais clara a ampla utilidade do nome de um indivíduo, possibilitando que, em poucos cliques, descubra-se o seu passado profissional, pessoal, gostos e preferências.

    Também com base nessa função informativa, até há pouco tempo os tribunais se recusavam a modificar o nome constante nos documentos de identificação de indivíduos que se submeteram a procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual.

    O debate em questão não é novo, como revelam os casos envolvendo as marcas Kenzo, Francesca Romana e Tufi Duek. No julgado recente, o TJ-SP concordou com a tese levantada pela empresa autora, tendo proibido a C&A Modas e o estilista de usarem as marcas Marcelo Sommer e Sommer para competir no mesmo ramo de atividade da autora.

    Para fundamentar a decisão, o tribunal ressaltou que o estilista havia alienado tal marca livremente e se comprometido a não competir com a adquirente. No julgado, prevaleceu a liberdade de contratar.

    Além disso, é interessante observar que o tribunal optou por trilhar um caminho mais restritivo em relação ao nome civil e mais liberal na busca da proteção dos próprios termos do contrato. Talvez seja esse o motivo pelo qual a recente decisão é ainda mais emblemática.

    Resta saber se ao longo do tempo tal tese irá prevalecer. E não se anime, caro leitor, o título é mera provocação.

    FELIPE ZALTMAN SALDANHA, 26, é advogado da Trench, Rossi e Watanabe e mestre em direito e economia pelas Universidades de Bologna, Gent e Erasmus Rotterdam

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