• Opinião

    Monday, 13-May-2024 13:30:55 -03

    editorial

    Embriões alterados

    04/02/2016 02h00

    Há tempos a biotecnologia surpreende o público com novidades perturbadoras. Dos bebês de proveta aos alimentos transgênicos e, agora, à modificação genética de embriões, o limiar do admissível vem sendo posto em questão e, de modo paulatino, deslocado.

    Passo significativo nessa marcha acaba de ser dado no Reino Unido. A Autoridade de Fertilização e Embriologia Humana (HFEA), agência reguladora independente, autorizou a modificação genética de embriões humanos.

    O experimento causará repulsa em muitas pessoas, em especial naquelas que entretêm motivos religiosos ou filosóficos para rejeitar que se cruze tal barreira. Trata-se, porém, de caso especialíssimo, e cabe questionar se de fato se está a atravessar um Rubicão bioético.

    A licença foi conferida para o Instituto Francis Crick, de Londres, utilizar em embriões de até sete dias a técnica Crispr/Cas9, que permite inserir trechos de DNA de maneira muito precisa no genoma de células. Em princípio, um gene problemático poderia ser corrigido ou suprimido.

    A equipe de Kathy Niakan pediu essa autorização para modificar genes na esperança de identificar alterações associadas com abortos espontâneos, um processo natural ainda mal compreendido.

    Há dois detalhes na proposta de pesquisa que não podem passar despercebidos: Niakan só poderá manipular embriões que seriam descartados por clínicas de fertilização; além disso, está proibida de implantar embriões alterados em úteros, para gestação.

    Dito de outra maneira, não nascerá a partir daí um bebê humano geneticamente modificado. Ademais, pesquisadores chineses já haviam empregado a Crispr/Cas9 em células embrionárias humanas, no ano passado, com taxa de incorporação do DNA pretendido de apenas 20% a 40%, o que suscita dúvidas quanto à segurança da ferramenta para uso terapêutico.

    E, mesmo que um dia se supere essa limitação e a técnica seja declarada segura, restaria uma séria questão bioética: é lícito modificar a linhagem germinativa de seres humanos, vale dizer, pôr no mundo crianças que, ao crescer, legarão para seus filhos e netos os genes que foram modificados?

    A muitos parecerá fácil responder que sim, se for para afastar doenças ou malformações graves. Bem mais difícil será obter consenso social em favor de manipulações genéticas para agregar a embriões características valorizadas, caso um dia isso se torne possível, como inteligência, cor de olhos e cabelos ou aptidão para esportes.

    editoriais@grupofolha.com.br

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024