• Opinião

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    ARY BERGHER, JOÃO BERNARDO KAPPEN e FLAVIO ZVEITER

    Livro de Hitler deve ser proibido no Brasil? Sim

    13/02/2016 02h00

    A Constituição brasileira estabelece uma série de direitos fundamentais ao Estado democrático de Direito. Nossa Constituição é tão plural que protege valores por vezes conflitantes entre si.

    Não há, contudo, direito constitucional que, a priori, prevaleça sobre outro direito constitucional. Sabemos que, em sociedades complexas como a nossa, direitos constitucionais que protegem valores diferentes estão sempre em rota de colisão, causando o que se chama "colisão de direitos".

    Então, como deve um juiz decidir quando se vê diante de um caso em que é possível a aplicação de dois direitos contrapostos, de dois direitos que carregam diferentes valores, ambos aplicáveis ao caso? A interpretação constitucional moderna ensina que é preciso que se faça uma ponderação de valores, bens, interesses e normas e, só então, aplicar ao caso concreto a solução que pareça mais adequada do ponto de vista constitucional.

    Este foi o caminho adotado pelo Supremo Tribunal Federal em 2003 quando decidiu, a partir de um caso concreto, que escrever, editar, divulgar e comercializar livros que façam apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica constitui crime de racismo.

    O que motivou a intervenção do STF foi justamente um caso em que, de um lado, estava o direito à liberdade de expressão, representado pela publicação de um livro que fazia apologia ao nazismo, e, de outro, os direitos humanos, representados pela dignidade da pessoa humana, aviltada pela publicação do livro nazista.

    O STF entendeu então que naquele caso devia prevalecer o direito constitucional da dignidade da pessoa humana sobre o direito constitucional da liberdade de expressão.

    Essa foi também a solução adotada recentemente pelo juiz da 33ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao determinar, em caso concreto semelhante ao julgado pelo STF, a busca, apreensão e proibição da divulgação e comercialização do livro "Minha Luta", escrito por Adolf Hitler. Entendeu-se que a divulgação e a comercialização do livro constituem crime de racismo, como já havia dito o STF.

    O livro do Hitler caiu em domínio público no começo deste ano, não mais pertencendo ao Estado da Baviera, na Alemanha, seus direitos autorais. Com o domínio público, o mundo está às voltas com a discussão sobre sua publicação.

    No Brasil, porém, não por acaso apenas duas editoras resolveram editar e comercializar o livro. Não vamos entrar no debate ético e moral sobre ganhar dinheiro divulgando as ideias de um genocida. Vamos limitar o debate ao âmbito jurídico.

    Não podemos sequer nos socorrer do direito comparado, pois, ao contrário dos Estados Unidos e da própria Alemanha, no Brasil há uma lei federal que diz ser crime qualquer tipo de publicação que induza ou incite a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A lei estabelece ainda que esse tipo de publicação deve ser apreendida.

    E o STF não só atestou a constitucionalidade dessa lei como, ao interpretá-la, declarou que o antissemitismo é racismo e que, portanto, a edição, divulgação e comercialização de livros antissemitas configuram crime. Assim, inócuo é o debate que se limite a tratar da questão da venda do manual nazista apenas sob a ótica da liberdade de expressão, que, em que pese ser um direito fundamental, não o é absoluto.

    ARY BERGHER, 48, JOÃO BERNARDO KAPPEN, 35, e FLAVIO ZVEITER, 33, são advogados. Bergher e Kappen são coautores da notícia-crime contra a obra "Minha Luta" de Adolf Hitler

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