• Opinião

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    JOSÉ MARCELO MENEZES VIGLIAR E PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON

    Proibir a doação de empresas

    18/02/2016 02h00

    Afirmar que a prática do "caixa 2" vai aumentar em 2016, indiretamente implica afirmar que a proibição de doações por empresas foi um equívoco, um incentivo a essa prática. Um incentivo legal, feito nas casas legislativas e chancelado pelo Executivo.

    É ilusão achar que a vedação das doações pelas empresas constitua medida eficaz para a moralização das eleições. E a desilusão será o amargo remédio. Essa panaceia moralizadora ainda merece reflexão. Três aspectos que deveriam ser considerados.

    Primeiro, o veto a doações empresariais fará o "caixa 2" crescer mais em 2016. Sem sombra de dúvida. Imaginar o contrário constitui perspectiva infantil do processo eleitoral. Mais de 90% das doações vinham das empresas. Pensar que o particular unido contribuirá com os 100% do necessário para os gastos do alto valor de uma campanha eleitoral, significa imaginar que as punições severas da lei sirvam para evitar atividades ilícitas.

    Só para lembrar: a Lei de Improbidade Administrativa não inibiu práticas que a Lava Jato vem revelando. E não esqueça: referida lei é de 1992. Curiosamente, quem a sancionou sofreu impeachment. Teria praticado ato de improbidade que, comparada com as atuais, seria de "menor potencial ofensivo". Quase uma "improbidade famélica".

    A Lei Anticorrupção coibirá a corrupção em todos os seus aspectos? A resposta é óbvia e propõe outra questão: referida lei já não puniria práticas imorais decorrentes de benefícios derivados de doações feitas com o objetivo de receber benesses governamentais?

    Segundo, uma boa solução seria a possibilidade de cada empresa, ao invés de doar um valor a esse, àquele e, ainda, a outro partido (para ficar "bem com todos"), doar, dentro dos limites legais, a um único partido. De quem é o voto? Do candidato ou do partido? Do partido, óbvio. Se é do partido, chega de valores pouco republicanos.

    Uma empresa tem de ter a coragem de optar por essa ou aquela legenda, ainda que mude em futuras eleições, pois estamos numa democracia. O que não se deve admitir, por exemplo, é uma doação hipotética de R$ 999 mil, dividida pelas três principais legendas.

    Doação deve revelar a ideologia de quem doa e não constituir uma conveniência ou um pedágio, pago como "ato preventivo" de futuras participações nos empreendimentos públicos.

    Terceiro, limites. Tetos de valores a serem doados e gastos. Quantias máximas relacionadas com aspectos de quem doa e de quem gasta. Experimentem tetos e verão que o "caixa 2" cairá. Se na prestação de contas cada qual pode doar um valor (e exclusivamente a um partido), como as contas não baterão? Quem não pretende que as contas batam?

    Sabem por que empresa deve doar? Porque uma proposta como a sugerida dificulta o "caixa 2"; porque empresas geram empregos e participam do processo democrático, recolhendo uma infinidade de tributos. Simples assim.

    E tanto é importante a consideração da influência das empresas no cotidiano das relações público-privadas que há uma lei, já aqui referida, para que a corrupção "realizada" pelas pessoas jurídicas seja punida. Estão sujeitas a punição porque usadas para determinadas práticas engendradas por seus administradores. Algumas ficam mesmo estigmatizadas e seus nomes passam a representar sinônimo de provável corrupção.

    Mas, apesar dessas considerações, sempre aparece a afirmativa, que é a principal justificativa para proibir a doação: "empresa não vota". Ainda, ouve-se: "doou dinheiro porque vai receber de volta lá na frente".

    A doação é proibida porque tem aspecto de ato preparatório de improbidade. Vamos "prevenir" e conviver com o "caixa 2". Isso equivale afirmar que não temos saída. Temos. Certamente, as propostas acima podem ser complementadas por outras tantas.

    JOSÉ MARCELO MENEZES VIGLIAR, 51, doutor pela faculdade de direito da USP e pós-doutor pela Universidade de Lisboa, é professor de direito eleitoral e interesses difusos das UNIFMU
    PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, 49, livre-docente e doutor pela faculdade de direito da USP é conselheiro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e presidente do IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual

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