• Opinião

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    Milton Lourenço

    O fim da Alca e a crise

    22/02/2016 02h00

    Talvez nunca seja possível estabelecer o quanto de prejuízo trouxe para a economia latino-americana a fanfarronada protagonizada, em novembro de 2005, durante a 4ª Cúpula das Américas, em Mar del Plata, pelos presidentes Lula do Brasil, Néstor Kirchner, da Argentina, e Hugo Chávez, da Venezuela, quando rejeitaram a proposta do governo dos EUA para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), festejando o fato como uma "vitória contra o imperialismo".

    Hoje, parece claro que aquela orientação adotada pelo governo brasileiro, que passou a misturar política com comércio, está por trás da atual crise, pois foi fundamental para colocar o parque industrial nacional em parafuso. E para que os produtos chineses ocupassem no mercado norte-americano grande parte do espaço que era dos brasileiros.

    Portanto, não adianta buscar lá fora as raízes da atual crise econômica porque esta é um produto essencialmente nacional, pois foi forjada aqui por mentes apegadas a uma orientação terceiromundista que não tinha razão de ser já àquela época.

    É verdade que não houve por parte dos EUA uma política revanchista contra a fanfarronice levada a efeito por aquelas três figuras histriônicas em 2005, mas, desde então, Brasil, Argentina e Venezuela deixaram de contar com benefícios que poderiam ter estimulado o seu comércio com o maior mercado do planeta.

    Como é o país mais industrializado do continente, obviamente, as consequências maiores foram para o Brasil, ainda que o comércio com os EUA não tenha diminuído. Pelo contrário.

    As exportações, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), cresceram 60% no período: US$ 118,5 bilhões, em 2005, contra US$ 191,1 bilhões em 2015, embora tenham mais que dobrado em 2011, quando chegaram a US$ 256 bilhões.

    Já as importações subiram de US$ 73,5 bilhões em 2005 para US$ 171,4 bilhões em 2015, um crescimento de quase 140%, embora em 2014 tenham chegado a US$ 229,1 bilhões.

    É de se observar que, enquanto as exportações para a China são majoritariamente de produtos básicos, os embarques para os EUA têm maior participação de bens manufaturados e semimanufaturados, que, além de apresentarem maior valor agregado, ou seja, produzem mais empregos, estão menos sujeitos a oscilação de preços.

    É claro que se a Alca tivesse saído do papel, ainda que fosse a Alca light que, a princípio, chegou a ser defendida pelo governo brasileiro, melhores condições teriam sido criadas para que o espaço para os manufaturados nos EUA fosse ampliado, bem como para o agronegócio.

    E, hoje, não haveria no País tantos desempregados: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, a média da população desocupada é de 1,7 milhão, contingente 42,5% superior à média de 2014 (1,2 milhão de pessoas). Tampouco a inflação não teria chegado a 10,67%, a maior desde 2002.

    Como seus antecessores meteram os pés pelas mãos, os atuais presidentes de Brasil e Argentina hoje não têm outra saída que não seja correr atrás de entendimentos com Washington. De que serviu a "vitória contra o imperialismo"?

    MILTON LOURENÇO é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo - Sindicomis e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística - ACTC

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