• Opinião

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    Carlos Ayres Britto

    A Folha é pluralista o suficiente? Sim

    20/02/2016 02h00

    JORNAL DE BELO MOSAICO

    A Folha convidou-me a escrever sobre ela mesma, falar sobre sua categorização como órgão de comunicação social que professa, ou não, o pluralismo. No pressuposto, claro, de ser o pluralismo algo virtuoso, um relevante ou até mesmo imprescindível bem da vida, qualificador de quem o pratique ou se coloque a serviço dele.

    Bem, de saída, aponho o meu carimbo de adesão ao pressuposto. O pluralismo é algo virtuoso, sim, e do tipo essencial. A própria Constituição assim o qualifica em duas explícitas passagens.
    A primeira, no seu preâmbulo, enuncia que são seis os "valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos".

    Ei-los: "a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça". Depois, já no grupo dos bens jurídicos enfaticamente chamados de "princípios fundamentais" da nossa República Federativa, encarta "o pluralismo político" (inciso 5º do art. 1º).

    Que se conclui dessas duas passagens? Da primeira, que o pluralismo é o necessário modo de ser de uma sociedade que se ponha como o ponto da otimizada convergência daqueles seis expressos valores: liberdade, segurança, bem-estar, igualdade, desenvolvimento e justiça em sentido material.

    São os seis mais aptos valores à elevação de uma mecânica vida em sociedade para um estado de orgânica vida em comunidade. Estado do pluralismo como categoria cultural ou social-genérica, percebe-se, movida pela ideia-força de que todo mundo não é todo mundo.

    Cada pessoa é ela mesma, por um modo tão único quanto irrepetível. Pelo que, nos marcos de um direito democraticamente posto, pode-se firmar na vida em comum sobre os pilares de seu próprio entendimento. São múltiplas as crenças –políticas, filosóficas, científicas, religiosas, profissionais, artísticas, sexuais– que fazem da própria consciência a mais cristalina fonte da mundividência igualmente pessoal.

    Já na segunda passagem da Constituição, o que se tem é o pluralismo tão somente político. O pluralismo como diversidade de consciências e mundividências, por certo, porém no exclusivo campo das ideologias.

    Ou seja, o campo da filosofia política ou das concepções acerca da mais eficiente e justa forma de estruturação do Estado como personalização jurídica do povo. Espaço, então, das relações fundamentais entre os governantes e os governados da mesma pólis.

    No Brasil, representa o espaço do necessário imbricamento conceitual entre o pluralismo político do art. 1º e o pluripartidarismo do art. 17 da Constituição.

    Vou, então, à resposta que me foi pedida. Com toda honestidade intelectual, tenho a Folha como um jornal pluralista.

    Sou leitor das suas páginas há pelo menos 30 anos. Em cada jornalista do quilate de um Elio Gaspari, Carlos Heitor Cony, Janio de Freitas, Ruy Castro, Clóvis Rossi, Valdo Cruz, Hélio Schwartsman, André Singer e Ferreira Gullar pinço a mais certeira peça para a composição desse inexcedivelmente belo mosaico de nome pluralismo.

    Seja o de caráter cultural ou social-genérico, seja o especificamente político. Aqui embutido o pluripartidarismo.

    Prossigo para fazer um registro quanto ao campo da política. Amigos e parentes em bom número e boa capacidade de análise queixam-se de que os editoriais e as reportagens da Folha são tendenciosos.

    Avaliam que carregam nas tintas da crítica ao governo e aos partidos que a ele dão sustentação, suavizando as pinceladas, todavia, quanto aos partidos e políticos de oposição.

    Com o que chego a concordar, mas também ponderando que o renitente mau desempenho do Poder Executivo Federal e muitas práticas dos seus aliados sob o fogo cruzado da Justiça parecem dar razão a quem afirma: uma coisa é perdoar o pecador; outra, o pregador.

    CARLOS AYRES BRITTO, 73, doutor em direito constitucional pela PUC - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é ex-presidente do Supremo Tribunal Federal

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