• Opinião

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    Marcos de Barros Lisboa

    Benefícios sociais contra grupos de interesse

    26/02/2016 02h00

    As novas tecnologias têm permitido ganhos de bem-estar social impensáveis há pouco tempo. Conectar compradores e vendedores por meio de aplicativos reduz os custos que, tradicionalmente, penalizam consumidores e empresas.

    Encontrar um quarto para alugar durante uma viagem, comprar um livro há muito esgotado, saber de uma oportunidade de emprego ou a compra de imóvel são alguns poucos exemplos dos benefícios do maior acesso à informação.

    No começo do século 20, a revolução fabril provocada pelo modelo T da Ford reduziu significativamente o custo dos automóveis –que, como dizia o chiste, podiam ser de qualquer cor, desde que fossem pretos.

    Daniel Bueno

    A maioria dos carros do aplicativo Uber é de cor preta, mas, ao contrário do serviço de táxi, o consumidor pode, em diversas cidades do mundo, escolher o modelo de carro desejado com preço ajustado às qualidades do veículo e à demanda pelo serviço naquele momento.

    No jargão dos economistas, isso significa ganho de produtividade para o benefício da maioria.

    O transporte urbano, porém, possui algumas peculiaridades em comparação a outros bens e serviços. Uma das condições básicas do sistema é que os consumidores paguem integralmente os custos de suas escolhas.

    A utilização das vias urbanas é um exemplo de falha de mercado, pois quem as utiliza não paga pelo serviço, o que resulta em excesso de demanda. Ônibus transportam mais gente por metro quadrado utilizado do que carros –que, em demasia, provocam engarrafamentos e, por essa razão, deveriam pagar o custo decorrente dos investimentos necessários e dos impactos sobre os demais.

    O pedágio urbano tem sido progressivamente utilizado em outros países, favorecendo o transporte público. Idealmente, deveria contrabalançar o custo, em termos de engarrafamento, causado pelo privilégio de utilizar a via pública para o transporte individual.

    Por todas essas razões, a proposta de regulamentação do Uber pela Prefeitura de São Paulo é um inegável avanço, ainda que incompleto.

    Permite que consumidores e trabalhadores beneficiem-se da compra e venda de um serviço de transporte, com preço adequado à qualidade do serviço adquirido.

    A cobrança de tributo sobre o transporte individual permite utilização mais eficaz, e socialmente mais justa, das escassas vias urbanas.

    Algumas sugestões. Primeiro, seria mais eficiente se o tributo fosse proporcional aos minutos de deslocamento, sendo, portanto, crescente com o congestionamento.

    Segundo, o processo de cobrança poderia ser mais simples, deduzido de cada corrida, sem a complexa venda prévia de autorizações.

    Terceiro, o mais importante. Esse tributo poderia ser cobrado de todos os automóveis, substituindo o IPVA. Todo transporte individual, Uber ou não Uber, deveria pagar pelo uso das vias públicas em uma metrópole com vias escassas, como São Paulo.

    Por fim, o táxi. Trata-se de um cartório, em que alguns possuem o privilégio de oferecer um serviço de interesse público e são isentos de diversos tributos na aquisição dos veículos. Cartórios geram lucros extraordinários, e o privilégio resulta em licenças escassas e caras.

    Existem, porém, aqueles que compraram as licenças recentemente e serão penalizados com uma revisão brusca das regras.

    Uma possível transição poderia ser realizada da seguinte forma: os tributos sobre o transporte individual por meio de aplicativos, como o Uber, seriam inicialmente mais elevados, porém progressivamente reduzidos. O segredo está nos detalhes.

    A Prefeitura de São Paulo tem a oportunidade de propor uma legislação inovadora, com regra de transição adequada e prevenida contra os grupos de interesse.

    A reação oportunista talvez inviabilize a reforma necessária. Grandes governos não necessariamente resolvem os problemas, apenas plantam a semente, para o benefício da maioria.

    MARCOS DE BARROS LISBOA, 51, é doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA) e presidente do Insper

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