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    Valter Caldana

    Nova lei de zoneamento de São Paulo será benéfica para a cidade? Sim

    05/03/2016 02h00

    PROPOSTA CUMPRE SEU PAPEL

    Não é a primeira vez que a poderosa lei de zoneamento de São Paulo, braço operacional do Plano Diretor, passa por revisão. Foi originalmente elaborada em 1972, fruto do PDDI (Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado), que substituiu o natimorto PUB (Plano Urbanístico Básico) encomendando pelo então prefeito Faria Lima em 1968.

    Ao contrário do PUB, o PDDI reafirmou o modelo de cidade rodoviarista e espraiada. A lei de zoneamento dele resultante definiu zonas estanques de baixa densidade e desestimulou o uso misto nas áreas centrais e consolidadas, uma tradição até então.

    Essa lei, que chegou a baixar o aproveitamento real dos terrenos de 16, 18 e até 20 vezes ou mais para algo entre 6 a 8 vezes sua área, provocou um acelerado processo de encarecimento da terra e espraiamento da mancha urbana.

    Ampliou, assim, em pleno milagre econômico e sob a ditadura, a sobrevida de um modelo que tornava a cidade cara para quem paga, injusta para quem usa e definitivamente dependente do transporte sobre pneus.

    Duas crises do petróleo depois, na década de 1980, o então prefeitos Mário Covas e o arquiteto Jorge Wilheim apresentaram o Plano 1985/2000. A sociedade, entretanto, estava ocupada com a reconstrução da democracia, e o plano acabou não vingando. Alterações importantes nunca foram implementadas. O modelo vigente, exaurido, entrou em colapso.

    O atual Plano Diretor (2014), com 30 anos de atraso, finalmente lançou as bases para a reversão do modelo de urbanização da cidade. A nova lei de zoneamento esforça-se, nessa revisão, em acompanhá-lo.

    Vamos direto ao ponto: a lei é boa? Não, eu diria. Mas se a perguntar for "ela trará avanços?", a resposta seria sim. Podemos elencar seus problemas –mantém uma estrutura arcaica que teima em ser mais coercitiva do que indutiva, em dizer o que pode e não como pode, é extensa demais–, mas é justo reconhecer que cumpre seu papel. É a lei possível.

    Fugiu da negociata, sendo fruto de um processo participativo que se tornou irreversível. Foi discutida por meses e votada às claras, apesar do acolhimento de emendas de última hora que ofuscaram o brilho do processo.

    Outros méritos estão na regulamentação da zona rural, no incentivo a construções sustentáveis, na valorização de áreas privadas de uso público, na associação densidade-infraestrutura, no reconhecimento e na regularização de parcelas da cidade real.

    Fora isso, provocou segmentos importantes, como os movimentos sociais e o mercado imobiliário, a repensarem conceitos e a construírem um novo posicionamento.

    Por essas razões, a lei possível tem saldo positivo, ainda que quiséssemos avanços estruturais. Uma lei nova, adequada a seu tempo, flexível, ágil, indutiva. Mas não foi assim. A lei possível, negociada, reflete o estágio de profundidade da discussão sobre a cidade por seus agentes produtores, ainda superficial diante da magnitude de São Paulo.

    Se as concessões evitaram espantar parcela da sociedade acostumada a uma zona de conforto que acabou, se é que existiu algum dia, por outro lado, ao respeitar as diretrizes do plano, não afugentaram a parte da população que ainda luta para conquistar seu espaço.

    Ser a lei possível é, portanto, seu grande avanço e sua fragilidade. A superação dos problemas exige o início imediato da elaboração dos planos de bairros e dos projetos locais, o que permitirá a construção da cidade de que todos precisamos.

    VALTER CALDANA, 53, arquiteto, é diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie

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