• Opinião

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    Fernando Facury Scaff

    O Supremo Tribunal, de guardião a dono da Constituição

    10/03/2016 02h00

    Ocorreu um debate no início do século 20 sobre o papel que deveria desempenhar o órgão incumbido da guarda da Constituição. Como está acima das leis comuns, a dúvida era se as normas constitucionais deveriam ser guardadas por um órgão composto por juízes, semelhante ao nosso Supremo Tribunal Federal, ou por um órgão político, como o Senado Federal.

    A maioria das democracias ocidentais adota o primeiro modelo, jurisdicional. O problema ocorre quando esse órgão, ao invés de guardar a Constituição, entende-se como dono dela e a reescreve a cada julgamento.

    Uma das funções do direito é dar segurança jurídica às pessoas. Imaginem assinar um contrato de locação e ele ser interpretado como uma compra e venda? Foi algo semelhante a isso que o STF fez em seus julgamentos mais recentes. Entendeu-se dono da Constituição e a reescreveu.

    Está escrito na Constituição "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", e o STF entendeu que não era preciso o trânsito em julgado para que uma pessoa fosse desde logo presa após o julgamento em segunda instância.

    Também está escrito que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal", e o STF decidiu que não é necessária ordem judicial, permitindo que o fisco da União, dos Estados e também o dos Municípios violem o sigilo dos contribuintes, para finalidades que não sejam penais.

    As pessoas podem gostar ou não do que está escrito na Constituição. Caso não gostem, devem buscar sua alteração através do Poder Legislativo. O que o STF fez foi se substituir ao Poder Legislativo, modificando direitos fundamentais, o que é muitíssimo perigoso.

    Haverá quem defenda esse procedimento, argumentando que se trata de um processo informal de modificação constitucional. Ledo engano. Não se mudam direitos fundamentais através de processos informais. Para fazer coro com o Ministro Marco Aurélio, que foi vencido nas duas votações, aquelas não foram "tardes felizes".

    Em nome de maior celeridade no aprisionamento de pessoas e de fiscalização tributária, o que pode até ser desejável, o STF está se tornando dono da Constituição. Por ora foi apenas um rapto. Temos que resgatá-la.

    FERNANDO FACURY SCAFF, advogado, é professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP

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