• Opinião

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    Luiz Carlos Costa

    E agora, São Paulo?

    24/03/2016 02h00

    Desde o início da elaboração do Plano Diretor Estratégico de São Paulo e de seu zoneamento, sancionado nesta quarta (23) pelo prefeito Fernando Haddad (PT), alguns urbanistas que há décadas trabalham sobre o tema têm protestado contra duas diretrizes adotadas sem justificativa.

    Primeiro, a de liberalizar o setor imobiliário para produzir edifícios muito maiores que os permitidos até agora, sem condicioná-los à capacidade de suporte das zonas nem a diretrizes democraticamente definidas para os bairros atingidos.

    Segundo, a de limitar o zoneamento à imposição de parâmetros técnicos dos edifícios implantados em qualquer ponto de grandes zonas heterogêneas, sem definir normas que orientassem o desenvolvimento harmônico de cada bairro ou zona específica.

    Embora tivéssemos apresentado nossas discordâncias e propostas no Conselho Municipal de Política Urbana e em nosso blog (www.discutindo a cidade.com.br), a condução dos trabalhos impôs restrições inaceitáveis à participação da sociedade civil na orientação dos trabalhos e nas audiências públicas.

    É mais que sabido que, em toda a experiência internacional de planejamento urbano, o interesse coletivo de superar os problemas estruturais da cidade. Isso exige a definição precisa, em cada zona, dos usos do solo que podem ou não ser implantados em cada terreno em função das limitações e potencialidades dos bairros e as características quantitativas e volumétricas de cada novo edifício.

    Isso tendo sempre em vista evitar que os bairros evoluam apenas ao sabor de iniciativas aleatórias do mercado imobiliário, voltado para a maximização do lucro, insensível aos prejuízos causados ao conjunto da população e aos usuários portadores de necessidades e direitos.

    Para tanto interessa absolutamente um planejamento objetivo, lúcido e preciso do uso do solo, calcado em diagnóstico das peculiaridades e possibilidades de cada zona possíveis de serem aproveitadas no contexto de cada via, quadra ou conjunto urbano passível de reurbanização.

    É nessa escala local que terão de se definir as normas locais que defenderão os cidadãos da ação irresponsável do mercado.

    Em consequência destas e de outras lacunas e imprecisões, pode-se afirmar que o zoneamento apresentado, em vez de harmonizar as relações entre os vários agentes privados ou públicos influentes no uso do solo, toma partido de preservar sobretudo os interesses comerciais do setor imobiliário, permitindo-lhe continuar a atuar de forma dominante sobre os interesses coletivos.

    Nessa perspectiva, o zoneamento proposto não pode ser considerado coerente com os princípios e instrumentos definidos no Estatuto da Cidade que regulamentou a política de desenvolvimento urbano instituída pela Constituição de 1988. Ao contrário, agrava os problemas críticos, favorece o domínio do poder econômico sobre os direitos civis e desprotege o interesse coletivo presente nas diferentes regiões, bairros e zonas da cidade.

    Além disso, pode-se afirmar que nenhuma das grandes questões que vitimizam a cidade em crise foram consistentemente equacionadas e resolvidas: nem a dos transportes e mobilidade que paralisa a cidade, nem a do saneamento básico e das inundações que vitimizam a cada ano milhões de cidadãos, nem a das carências crônicas de serviços públicos, vigorosamente reclamados por toda a população no campo da educação, saúde pública e lazer, entre outros aspectos.

    Tampouco o zoneamento implanta um sistema de produção imobiliária que permita ao poder público captar recursos e terras suficientes para produzir infraestrutura e equipamentos urbanos necessários para atender a urbanização compacta proposta.

    Definitivamente, não é esse o planejamento urbano que a sociedade esperava para implementar os princípios e instrumentos definidos no Estatuto da Cidade, no qual o caráter democrático teria de ser garantido por uma participação popular continuada que efetivamente não ocorreu.

    Desta forma, a comunidade paulistana continua a esperar por um planejamento demonstradamente eficaz, viável e socialmente justo que venha a ser elaborado, seja imediatamente, na hipótese de impugnação do plano por via judicial, seja na hipótese de, em uma nova administração municipal, o Plano Diretor Estratégico e a lei de zoneamento serem reelaborados com tempo suficiente e critérios científicos e democráticos que faltaram às propostas ora formuladas.

    LUIZ CARLOS COSTA, 80, é professor de planejamento urbano aposentado da FAU-USP- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Foi coordenador do projeto Plano Diretor de São Paulo em várias administrações

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