• Opinião

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    Raimundo Bonfim

    É golpe sim, mas de outro tipo

    05/04/2016 02h00

    Nunca um movimento que rompeu as regras democráticas admitiu a denominação de golpista. Nem mesmo Augusto Pinochet, que se tornou símbolo das ditaduras militares latino-americanas, jamais admitiu essa palavra. Será mesmo que o que estamos vendo não é um golpe só porque o impeachment está previsto em nossa Constituição Federal? É possível um golpe que se valha das regras institucionais?

    O conceito de golpe mudou. Já não se trata de promover uma ruptura institucional repentina, que causará desgaste e repúdio internacional. O objetivo agora é criar pressões que anulem as garantias do Estado de Direito e conformem interpretações jurídicas e decisões rápidas que cumpram o mesmo objetivo que forças militares cumpriram nas décadas de 60 e 70.

    Os novos golpes devem parecer democráticos e obrigatoriamente serem produzidos sob a máscara da previsão legal.

    Em nosso continente, o ensaio da nova modalidade golpista se deu no Paraguai. Lá, afastaram o presidente Fernando Lugo num fulminante e sumário ritual de apenas dois dias. Atropelaram os princípios da "ampla defesa" e do "devido processo legal", falhas que vão sendo aperfeiçoadas no caso brasileiro.

    Há um precedente anterior, ainda mais frágil. O golpe aplicado contra o presidente Manoel Zelaya, de Honduras, em 2008, quando um pelotão militar o retirou de madrugada do palácio presidencial e o despachou para a Costa Rica, foi referendado imediatamente pelo Parlamento e pela corte suprema do país, revestindo-se em poucas horas de um manto legal.

    Toda vez que for possível identificar um enredo articulado, com um roteiro claramente estabelecido, arquitetado por um conjunto de forças econômicas poderosas, que tem como objetivo anular o resultado das urnas, não há que se vacilar: estamos diante de um golpe.

    Não é fácil desmascarar essa trama. Para que os objetivos do impeachment possam ter uma aparência de legalidade, é preciso construir um processo que deslegitime a esfera da política como espaço para a solução das crises.

    O golpe que está em curso possui um núcleo de confiança, envolvendo juízes, delegados e membros do Ministério Público que controlam informações e aguardam o momento propício para divulgá-las, por meio de vazamentos seletivos.

    Não bastasse a cobertura desproporcional e ininterrupta dos atos pró-impeachment e o absoluto silêncio quanto àqueles contrários, a maioria da mídia, liderada pela Rede Globo, atua como patrocinadora das manifestações, antecipando a realização de jogos de futebol, informando os melhores horários e alternativas de deslocamento para ir aos protestos, esforçando-se para estimular a ida a esses atos.

    Esse é o golpe. Não se trata de defender o governo Dilma ou a liderança de Lula. Estamos diante de um ataque ordenado contra as conquistas democráticas, impulsionado pelo bloco no poder do grande capital internacional e da fração da burguesia brasileira a ele integrada. Seu objetivo é derrubar o atual governo para retomar o alto lucro, com a eliminação de direitos trabalhistas e sociais e, em seguida, enfraquecer ou até mesmo perseguir qualquer pensamento de esquerda e líderes de movimentos socais.

    Por esses motivos, a Frente Brasil Popular compreende que estamos travando uma batalha política decisiva, que definirá o destino histórico de nosso país pelos próximos anos. Lutaremos até o fim. O afastamento da presidenta Dilma Rousseff não é fato consumado.

    RAIMUNDO BONFIM, 52, advogado, é coordenador geral da Central de Movimentos Populares e membro da coordenação nacional da Frente Brasil Popular, que congrega 65 entidades do movimento sindical, popular e estudantil

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