Perderá a conta e a paciência quem se dispuser a elaborar um inventário de todas as manobras e escapadas que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), protagonizou nos últimos tempos.
Deixem-se de lado os tortuosos movimentos do peemedebista e seus prepostos no Conselho de Ética, que há muito deveria ter encaminhado a cassação de seu mandato.
É quanto a outro assunto que o presidente da Câmara dá sua última demonstração de desrespeito, não só para com a opinião pública mas também para com seus pares.
Indagam-lhe sobre a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) pelo plenário da Câmara. Que procedimento será adotado? Cunha responde que decidirá sozinho, na hora, como achar melhor. Que todos esperem, portanto, a resolução de Sua Excelência.
O tema, por incidir em refinamentos de interpretação regimental, tende a gerar polêmica e necessita de esclarecimento.
Quando se deu a decisão sobre o mandato de Fernando Collor, em 1992, o presidente da Câmara convocou ao microfone os deputados, por ordem alfabética, para que indicassem sua opinião.
Depois dessa ocasião, o regimento foi modificado, fixando-se um critério geográfico. Os integrantes de cada bancada estadual devem ser chamados obedecendo-se a uma alternância entre norte e sul.
A ordenação pode fazer diferença. Há quem acredite que, dando-se a deputados do Nordeste precedência na chamada, o peso de uma maioria inicial de votos ainda governistas venha a influenciar contra o impeachment os parlamentares indecisos. O mesmo cálculo oportunista se desenrolará caso logo se forme maioria expressiva de votos a favor do impeachment.
Trata-se de uma espécie de "efeito anchova", movimento descrito pelo colunista Hélio Schwartsman : os peixes agregam-se num cardume, e buscam o seu centro, a fim de diminuir as chances de serem vítimas de um predador. Os deputados, no momento decisivo, também evitarão ficar sozinhos.
Previsões desse tipo talvez tenham sentido, mas o principal reside em outro ponto.
O anúncio prévio e detalhado do método de votação permite que o assunto seja posto em debate, abrindo-se à contestação dos que se sintam eventualmente lesados pelo encaminhamento.
Uma decisão monocrática, no calor do momento, barra essa possibilidade –e, o que é pior, transfere para o próprio dia, ou para imediatamente após a proclamação dos resultados, o surgimento de recursos e embargos ao processo.
Pouco importando em que sentido decida o plenário, imagine-se o tormento que seria o Supremo Tribunal Federal mandar ser refeita a votação. Foi o que aconteceu na primeira eleição da comissão especial do impeachment.
Já se tem, no próprio teor do pedido de afastamento agora formulado, quantidade preocupante de questões técnicas e de dúvidas. Não cabe ao presidente da Câmara, por arrogância ou gosto pela surpresa regimental, multiplicá-las em momento crítico.