• Opinião

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    editorial

    O problema das cotas

    14/04/2016 02h00

    Grupos de universitários negros estão se mobilizando contra a ação do que chamam de falsos cotistas.

    Como mostrou reportagem desta Folha, eles denunciam à reitoria alunos que a seu ver são brancos, mas que se declararam negros para beneficiar-se da política de cotas.

    Algumas instituições federais já criaram ou cogitam de criar comitês para tentar evitar que estudantes que não tenham fenótipo de negros proclamem possuir essa cor.

    Trata-se de questão insolúvel: a autodeclaração constitui o único critério legal para definir se alguém é negro (ou de qualquer outro grupo racial). Em tese, o sujeito de pele alvíssima que na inscrição do vestibular disser que se considera negro ou pardo deverá ser tratado como negro ou pardo.

    Embora os comitês raciais exerçam certa pressão moral para evitar casos gritantes, pouco podem fazer do ponto de vista jurídico —é logicamente impossível fraudar uma autodeclaração.

    Por outro lado, substituir a autodefinção por critérios raciais objetivos é impraticável. A ciência não tem como ajudar, pois nem existe definição de raça universalmente aceita. Nessa matéria controversa, aliás, a ciência parece mais inclinada a considerar as raças humanas como mera construção social.

    Dar a comitês o poder de arbitrar quem é negro, pardo, branco ou indígena e de determinar que destino terá em virtude de seu fenótipo seria, mais que um desatino, uma política racista —justamente o que as cotas visam a combater.

    Tais dificuldades não trazem surpresa. Foram apontadas anos atrás, inclusive por esta Folha, quando a adoção de cotas raciais era apenas uma ideia, longe de tornar-se oficial no país. Reconhecer o problema não implica renunciar a qualquer ação afirmativa.

    É possível manter políticas de estímulo a minorias que favoreçam negros. Basta recorrer a critérios objetivos, como renda familiar ou frequência a escolas públicas.

    Até o uso de CEPs poderia funcionar; a pobreza costuma ter endereço certo. Como negros e pardos no Brasil têm em média renda inferior à de brancos, qualquer medida que beneficie os mais pobres já promoverá proporcionalmente mais negros e pardos.

    Há várias vantagens nas cotas exclusivamente sociais. São mensuráveis, podem ser redefinidas à medida que a situação econômica dos grupos evolua e dispensam os sinistros comitês raciais. Melhor ainda, um branco pobre que necessite de ajuda não será prejudicado apenas pelo fato de ser branco.

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