• Opinião

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    MILTON FORNAZARI JUNIOR

    Delação e o ápice da cadeia criminosa

    25/04/2016 02h00

    Com o advento da lei 12.850/2013, efetivou-se no Brasil o instituto da delação premiada. A partir de seu uso em diversas investigações criminais, surgiram dúvidas acerca dos limites de sua utilização, a fim de evitar sua banalização.

    Na teoria, admite-se a delação de pessoas que ocupam níveis médios nas organizações criminosas e possuem conhecimento de fatos e de provas do envolvimento daqueles que ocupam o topo da pirâmide criminosa.

    A grande vantagem para o Estado e para a sociedade é que esse mecanismo permite a troca da punição de um criminoso médio pela obtenção de provas que permitirão a responsabilização penal dos "grandes criminosos", ou seja, daqueles que detêm o poder de comandar todo o esquema delituoso.

    Quanto maiores a quantidade e a qualidade das informações prestadas, maior será o benefício obtido pelo investigado, devendo-se ter cuidado para que essa técnica de investigação, tão importante no combate a esquemas complexos de corrupção e de crimes financeiros, não seja esvaziada pela ausência de punição às pessoas que se situam no topo da cadeia criminosa.

    Na corrupção, em regra geral, a prática criminosa reina em duas frentes distintas, mas codependentes: o poder econômico (corrupção ativa) e o poder político (corrupção passiva).

    Após a investigação progredir na obtenção das provas que levem à punição daqueles que ocupam os ápices das organizações, tanto na frente política como na econômica, não se deve mais tolerar a
    responsabilização penal de apenas um desses lados.

    Deixar de punir os dois polos da organização criminosa -político e econômico-, para punir apenas um deles, implicaria dar tratamento distinto a situações jurídicas idênticas, o que geraria a sensação de injustiça.

    Nesse sentido, é importante destacar que as penas de prisão previstas no Código Penal aos crimes de corrupção ativa e de corrupção passiva são iguais.

    Não obstante, ainda nesses casos pode ser admitida a delação premiada, conquanto dois requisitos básicos sejam preenchidos.

    São eles: a) deve haver amplo e irrestrito esclarecimento de todos os fatos criminosos e, principalmente, b) os benefícios concedidos ao chamado "grande criminoso" devem ser mínimos, para que ele não se isente do cumprimento da pena por meio de rápidas progressões de regime ou pela prisão domiciliar.

    Destaca-se, por fim, que a investigação de crimes graves, como define a Convenção da ONU de Palermo, deve se voltar para o esclarecimento de todos os fatos e, especialmente, para a responsabilização das pessoas no topo da cadeia criminosa.

    Por esse motivo, é fundamental evitar a banalização da delação premiada e das barganhas desproporcionais para os chefes das organizações criminosas, seja no polo do poder econômico, seja no poder político.

    MILTON FORNAZARI JUNIOR, doutor em direito processual penal (PUC-SP), é delegado da Polícia Federal. Atua na Delefin (Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros e Desvio de Recursos Públicos).

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