• Opinião

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    editorial

    Justiça virtual

    04/05/2016 02h00

    Cerca de 24 horas depois de determinado o bloqueio do aplicativo WhastApp, o Tribunal de Justiça de Sergipe revogou a ordem dada por um juiz da cidade de Lagarto, no interior do Estado. Não anulou, porém, a péssima impressão deixada pela decisão inicial.

    Tentando obter informações sobre usuários do aplicativo supostamente envolvidos em tráfico de drogas, e dado que a empresa controlada pelo Facebook não colaborava, o magistrado de Lagarto resolveu impor-lhe uma sanção. Até aí, nenhum problema; não importa o tamanho da companhia, ela não está imune às prescrições legais.

    Ocorre que a pretensão de tirar o WhatsApp do ar por 72 horas em todo o território brasileiro afeta dezenas de milhões de pessoas, uma desproporção absurda entre o remédio escolhido e o fim almejado.

    Mesmo que, com a medida, o juiz atingisse seus objetivos, esse seria um procedimento extremo, cuja efetividade residiria muito mais no castigo a quem nada tem a ver com a história do que no ônus imposto à empresa recalcitrante. O Judiciário jamais deveria recorrer a esse tipo de expediente.

    Já seria o bastante para reprovar a decisão, mas há mais. Embora não se conheçam os detalhes do processo, pois tramita em segredo de Justiça, existem motivos para suspeitar que o magistrado possa estar pedindo o impossível, isto é, que a companhia entregue dados que não tem em seu poder.

    Após os episódios em que empresas de internet –sob o pretexto de colaborar com autoridades americanas no combate ao terrorismo– escancararam a privacidade de seus clientes, as firmas se viram pressionadas a mudar de atitude.

    Desenvolveram novas tecnologias e rotinas com vistas a armazenar menos dados, em particular os que revelem o teor das comunicações. Nem sempre os juízes têm o conhecimento técnico necessário para distinguir o possível do impossível, como seria desejável.

    Há ainda um terceiro corpo de questões relativas à própria legislação. O Marco Civil da Internet até prevê a interrupção temporária de algum aplicativo ou site, mas num contexto em que a própria empresa tenha falhado em assegurar a privacidade dos usuários. A interpretação extensiva feita pelo juiz não é consensual nos meios jurídicos.

    Se há um consolo, o mundo inteiro procura maneiras adequadas de balancear segurança pública e direitos individuais na internet —mas não deixa de ser aflitivo que o preço desse desequilíbrio caia invariavelmente na conta dos usuários, mesmo quando algum magistrado pensa que está fazendo Justiça.

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