• Opinião

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    CAMILA LANES

    A desinformação do desocupado

    19/05/2016 02h00

    "Mãe, pai, tô na ocupação, e só para tu saber eu luto pela educação!", diz o trecho de um funk cantado pelos estudantes secundaristas que, em São Paulo e no resto do Brasil, fazem história com o movimento das ocupações da rede pública.

    Infelizmente, no dia (17/5) em que somamos mais de 200 escolas ocupadas no país, somos surpreendidos, nesta Folha, por um artigo de autoria de Kim Kataguiri que criminaliza e leva desinformação sobre o movimento pacífico e transformador que tomou conta da juventude brasileira.

    Hoje, em mais de quatro Estados, estudantes ocupam as escolas contra o seu fechamento, sucateamento, privatização, militarização e falta de merenda escolar.

    São assim motivo de orgulho para milhares de professores, funcionários, pais e mães que conhecem a situação da educação pública no país. Porém, o artigo de Kim expressa o seu "achismo" para tentar pintar um cenário diferente.

    Kim nunca esteve nas ocupações. É, portanto, um desocupado. Deve deixar que nós, os ocupados, informemos corretamente a sociedade.

    É descabido afirmar que estudantes depredaram o Centro Paula Souza sem, no mínimo, consultar os processos que a Defensoria Publica de São Paulo está abrindo contra a equipe da tropa de choque, que tentou de forma ilegal retirar os estudantes sem mandato e que foi a responsável pelos danos ao espaço.

    Dizer tal mentira é no mínimo uma irresponsabilidade do pretenso colunista que, se fosse mesmo um formador de opinião, iria procurar ouvir os dois lados.

    Mas o que esperar do representante de um movimento que não dá uma palavra ou nenhuma crítica contra o desvio do dinheiro da merenda escolar em São Paulo?

    As ocupações são protagonizadas por meninos e, principalmente, meninas secundaristas que não baixam a guarda e que não temem nada.

    Na tentativa desesperada de diminuir esse movimento, que também é feminista, o "colunista" coloca em dúvida se realmente somos estudantes, se estamos organizadas livremente, ou em partidos ou entidades. A dúvida sobre a capacidade espontânea de organização das "minas" é somente mais um reflexo do machismo que ele carrega.

    "Estudantes secundaristas de 30 anos'', diz ele ao ironizar a organização da qual hoje estou presidenta.

    Nem mesmo sabe que a Educação de Jovens e Adultos, com alunos de 60, 70 ou 80 anos, também faz parte do ensino secundarista. Além de mal informado, talvez esteja incomodado com o fato dos jovens entre 14 e 20 fazerem muito mais pelo país do que faz a sua oca organização.

    As ocupações só existem porque não vamos esperar ações daqueles que nos roubam, que limitam nossa qualidade de ensino, que parcelam o salário dos nossos professores, que mandam a tropa de choque nos tirar na base de gás e bombas.

    Ocupamos escolas, ruas, avenidas e, até mesmo, a casa legislativa de São Paulo para deixar o recado: estamos saturados de tantas promessas. A ocupação é nossa resposta.

    É uma idiotice chamar tal movimento de invasão. A escola é nossa por direito, é nosso lar por 200 dias letivos e por mais de 800 horas por ano.

    Convido o tal colunista a entrar e permanecer em uma escola pública por apenas uma semana. Convido-o a comer a merenda - se tiver merenda- e a passar todo o dia em uma sala caindo aos pedaços e superlotada.

    Convido-o a ver a expressão cansada dos professores e o mau trato do Estado com os educadores da população.

    Sei que é difícil para Kim Kataguiri, homem, branco e privilegiado, que afirma poder ou não ficar na universidade e saber mais do que seus professores, entender realmente nossos motivos.

    Afinal, por que alguém que nunca precisou de direitos vai se comover com a luta de quem hoje luta pelos seus?

    Estamos pedindo pouco perto do baita problema que temos na educação de São Paulo e do Brasil.

    Não precisamos da ajuda do colunista. Ele pode decidir ficar calado.

    Mas se manifestar sobre o assunto simplesmente para atacar de forma trapaceira os estudantes e se omitir sobre o ladrão de merenda que tira da boca das crianças e enche o próprio bolso é canalhice. Simplesmente calhordice.

    As ocupações continuam, a luta continua, tudo é só o começo.

    A pergunta que não quer calar é: quem vai prender o ladrão de merenda e onde está a educação pública, gratuita, de qualidade e com referência social?

    CAMILA LANES é presidenta da Ubes - União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

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