• Opinião

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    editorial

    Ler, escrever, clonar

    21/05/2016 02h00

    Causou surpresa e certa controvérsia a revelação, pelo jornal "The New York Times", de que cerca de 150 pesquisadores se reuniram em sigilo na Universidade Harvard, em 10 de maio, para debater o projeto de sintetizar um genoma humano.

    Até aqui, a ciência se limitou a decifrar a sequência de moléculas de DNA que compõem a coleção de genes da espécie. A empreitada de ler esses 3 bilhões de "letras químicas" coube ao Projeto Genoma Humano (PGH), que consumiu 13 anos e terminou em 2003.

    O estabelecimento desse código de referência deu grande impulso à pesquisa biomédica, ainda que não tenha produzido os avanços portentosos com que se contava.

    A capacidade de soletrar o conteúdo dos genes de cada pessoa permite, em alguns casos, realizar diagnósticos e ministrar tratamentos mais precisos. Como o PGH ajudou a baratear as novas tecnologias, tornou-se factível incorporá-las ao cotidiano da clínica.

    O PGH2 —como foi apelidado—, mais que ler o DNA, pretende escrevê-lo a partir do zero. Já existem métodos para enfileirar as moléculas que exprimem as instruções contidas nos cromossomos, mas eles ainda são laboriosos e caros.

    Os custos, no entanto, caíram de maneira vertiginosa, de US$ 4 por letra em 2003 para US$ 0,03 hoje. Ainda assim, escrever um genoma humano inteiro consumiria US$ 90 milhões —valor muito elevado para um feito técnico que, a rigor, não tem aplicação imediata.

    O plano seria colocar o genoma sintético numa célula humana e verificar se funcionaria normalmente. Não muito mais que uma prova de princípio. Um subproduto esperado seria o barateamento da tecnologia pela experiência acumulada.

    Quem escreve pode também definir o conteúdo do texto, ou seja, escolher as variantes de genes que comporiam o genoma artificial, por exemplo evitando aquelas associadas a doenças. E, depois, usar procedimentos de clonagem para inseri-lo num óvulo e gerar um ser humano sem pai nem mãe.

    Tal possibilidade está mais próxima da ficção científica do que de realidade nos laboratórios, mas se revelou suficiente para deflagrar questionamentos e objeções de fundo ético, a começar pelo caráter sigiloso da reunião em Harvard.

    Não é de hoje que as tecnologias da vida esbarram em inquietações —legítimas ou não— do público. Proceder com suas piruetas à vista de todos é a melhor maneira de evitar tombos desnecessários.

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