• Opinião

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    CARLOS ANDREAZZA

    A República dos mosquitos

    25/05/2016 02h00

    O PT pode nunca mais eleger um presidente da República. Enquanto, porém, o Brasil não enfrentar - e diminuir- o tamanho do Estado, outros governos petistas virão. Aí está o associado Michel Temer -escolhido a dedo por Lula- para não me deixar mentir.

    Vejamos Romero Jucá. Não é do PT, por certo. Mas, falseada aqui, disfarçada ali, não terá a mesma mentalidade, a mesma compreensão companheira do que seja a máquina pública -e, sobretudo, para o que serve, para quem?

    O Estado à disposição, a serviço. Há milhares de dilmas -e dilmos (sacrifico o texto, mas não desafio a leitura feminista)- à espera de uma chance. É como a dengue. No Brasil, tende-se à água parada e ao estatismo.

    A dengue é vocação nacional. O estatismo é vocação nacional. O petismo idem, muito anterior ao nascimento do PT, a durar para muito além de sua derrocada.

    Não falo de política, mas de cultura. A administração pública é péssima, obesa, ineficiente e corrupta -não há novidade nesse retrato, fotografia da represa monumental em que um partido como o dos Trabalhadores deita fartamente seus ovinhos.

    Um governo pode ser maior ou menor entrave ao desenvolvimento do país, mas nunca será solução. A tendência brasileira, no entanto, é a de combater os problemas causados pelo Estado pedindo mais Estado; a febre por meio da qual, a cada crise, entregamos a quem nos afana mais poder para nos afanar. Isso é doença. É também o paraíso cultural do petismo, milhões de poças em que se incuba o Aedes rousseff.

    Complementar e coerente, bem brasileira também é a pedalada segundo a qual a esquerda, uma vez no poder, deixa de ser esquerda. O pendor petista nacional manifesta-se sobretudo aí, nessa facilidade malandra e irresistível.

    Funciona assim: o partido chega à Presidência da República, abre o caixão que é seu programa, seu projeto, bota-o para rodar, toma o Estado e o alarga, molda, aparelha, sistematiza, enriquece aos seus e a si, investe em permanecer até ser o próprio Estado.

    Expõe, portanto, seu caráter, que é o caráter próprio da esquerda no poder, e então, ato contínuo, irrompe a narrativa influente -que se pode chamar de PSOL, o PT de ontem, o possível PT de amanhã, a dengue de sempre- de que aquilo seria traição às bandeiras históricas do socialismo. Lava-se a égua linda e eternamente assim, enquanto se busca a pureza da ideologia.

    Tem-se aí o Brasil, a sina, a doença: picado eternamente em berço esplêndido. Um país estatista e petista. Logo, um país de gerentes e profetas. O encontro entre a menor dos primeiros e o maior dos segundos resultou na malária por meio da qual, propagandeando haver avançado 50 anos, o Brasil terá regredido 20.

    Na República dos mosquitos, às vezes tocada pelos morcegos, não se defende outro interesse que não o patrimonialista. Não se pode privatizar a Petrobras, mas tudo tem dono -a propriedade defendida. Ou haverá outra forma de ler a disputa grampeada para saber quem, entre golpistas e golpistas, melhor consegue obstruir a Justiça?

    Natural, pois, que a natimorta anexação do Ministério da Cultura ao da Educação tenha merecido tal relevo, tamanha grita. Nunca duvidei do recuo. É tudo muito simbólico, de rara clareza -procure saber: nada tem mais posse no Brasil do que a cultura.

    Este é um país de profetas, gerentes, artistas -e sacaneados. Pois golpe mesmo é que o trabalhador, reserva de poder progressista, estimulado ao consumo enlouquecido, e que anteontem parcelara em 70 vezes a TV de última geração (para não ver filme nacional), hoje não tenha dinheiro para carne de segunda.

    Este país é imensidão de água parada. E eles sempre voltam. Nunca se foram. Os mosquitos.

    CARLOS ANDREAZZA, 36, é editor-executivo da Editora Record

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