• Opinião

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    Sergio Amaral

    Uma diplomacia de modestos resultados

    29/05/2016 02h00

    José Serra, ao tomar posse como ministro das Relações Exteriores, definiu dez diretrizes para a política externa. Além de sinalizar um novo rumo para o Itamaraty, tais diretrizes buscam estimular uma reflexão interna na chancelaria e um debate com a sociedade que não passe pela difamação das pessoas ou pela rotulagem de suas ideias. Gramsci, o grande pensador político italiano, dizia que a pequena política é a dos homens; a grande, a das ideias.

    A China tem dado uma demonstração da firmeza com que defende seus interesses e da indiferença pela qualificação de suas políticas. Não se trata apenas da frase famosa de Deng Xiaoping, de que não importa a cor do gato, se matar o rato.

    O presidente chinês, Xi Jinping, em visita recente ao Brasil, declarou que a China não seria o que é se não fosse a liberalização e a abertura da economia. E olhem que ele é insuspeito de desvios neoliberais.

    Os governos do PT, sobretudo no início, formularam algumas propostas generosas ou legítimas no plano externo. Como opor-se a uma campanha contra a fome em escala mundial? Como questionar a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ou a busca de resultado equitativo para a
    Rodada de Doha? Como criticar a prioridade atribuída ao Mercosul e à integração sul-americana?

    O problema é que essas prioridades resultaram em nada, ou quase nada. A campanha do Fome Zero foi lançada de improviso. Por solicitação do Itamaraty, ajudei a formular um projeto que consistia numa variante da taxa Tobin (imposto sobre movimentações financeiras) para alimentar um fundo, a ser gerido pela Unicef, com o objetivo de promover a nutrição de crianças.

    O projeto foi aprovado, mas nunca mais se ouviu falar dele. O resultado do Fome Zero foi, de fato, zero.

    O Brasil organizou a mais ampla e dispendiosa campanha diplomática de sua história para conquistar um lugar no Conselho de Segurança. Dobrou o número de embaixadas na África e as expandiu no Caribe. O resultado foi igualmente zero. Hoje estamos tão distantes, quanto antes, do Conselho de Segurança.

    O Itamaraty empreendeu exaustivas negociações para a conclusão da Rodada de Doha. O acordo não foi, nem será concluído. Seria incorreto criticar a diplomacia do PT por mais esse fracasso. Mas a sua responsabilidade está em não ter negociado, em paralelo, acordos bilaterais e regionais de comércio, como fez a maioria dos países.

    Por fim, a mais importante das prioridades, o fortalecimento do Mercosul, foi uma frustração. Em vez de avançar, o Mercosul retrocedeu. Em termos relativos, a participação do bloco no comércio exterior brasileiro regrediu.

    A integração sul-americana transformou-se em fragmentação, pela atuação da Aliança Bolivariana e pela concorrência de um novo bloco, a Aliança para o Pacífico.

    A Aliança Bolivariana, apoiada ao início pela diplomacia de Lula, é a mais forte evidência dos desacertos da política externa.

    A benevolência para com o cerco da refinaria da Petrobras na Bolívia é injustificável. O tratamento preferencial dado à Venezuela, especialmente à adesão do país
    ao Mercosul, sem cumprimento dos requisitos prévios, beira a irresponsabilidade.

    As palavras certamente contam na diplomacia, mas não bastam. Em quaisquer dos planos em que seja exercido -o político, o cultural, o econômico-, o discurso tem que se traduzir em ações e resultados. Caso contrário, a política externa será apenas uma retórica vazia, ainda que bem-intencionada.

    SERGIO AMARAL diplomata, foi secretário de Comunicação da Presidência da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (governo FHC)

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