• Opinião

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    ALESSANDRA OROFINO, ANA CAROLINA EVANGELISTA, ANTONIA PELLEGRINO e MANOELA MIKLOS

    As raízes da opressão

    07/06/2016 02h00

    Desde o final de maio, quando imagens do estupro coletivo de uma menina de 16 anos começaram a circular pela internet, as mulheres vêm se organizando para protestar contra mais um exemplo de uma terrível realidade.

    Primeiramente, as feministas se articularam para que a vítima tivesse atendimento. Em seguida, mulheres de todo o país se mobilizaram para que nossa sociedade encarasse um doloroso processo de autoanálise e debatesse a cultura do estupro -conjunto de práticas, do "fiu-fiu" até o feminicídio, que produz e reproduz a desigualdade de gênero.

    A cultura do estupro destrói a mulher. Na melhor das hipóteses, anula aos poucos sua subjetividade. Na pior, tira-lhe a vida. E as mulheres brasileiras não são as únicas na luta contra a naturalização dessa realidade.

    Feministas norte-americanas discutem a cultura do estupro desde os anos 1970. A grande repercussão do documentário "The Hunting Ground", de 2015, sobre violência sexual em universidades de elite dos EUA, prova a atualidade do debate.

    Mulheres canadenses criaram, em 2011, a Marcha das Vadias, em resposta à recomendação da polícia de Toronto de que elas não deveriam vestir-se como vadias se quisessem evitar estupros. A marcha virou um movimento transnacional pelos direitos da mulher e contra a culpabilização das vítimas.

    Mexicanas, argentinas e uruguaias tomaram as ruas em 2015 e neste ano para protestar contra altíssimos índices de feminicídio. Movimentos, como o Ni Una Menos, seguem enchendo praças, pintando prédios públicos de rosa e lilás e fazendo a América Latina debater a agressão contras as mulheres.

    O que todas essas mobilizações têm em comum? São reações ao machismo e à violência que reúnem mulheres, on-line e off-line, e nos lembram que, neste caso, o debate é tanto pessoal quanto político.

    Dinâmicas privadas, desdobradas em opressão continuada e abusos sistemáticos, tornam-se questões públicas, que demandam respostas públicas.

    Em diversos países, manifestações femininas de caráter micropolítico se inscrevem na macropolítica e demandam a ressignificação da interação entre as pessoas.

    No Brasil, as mulheres querem uma nova política, mas sabem que ela só virá com uma nova cultura. Um novo normal.

    A velha política, assustada, esperneia. Nomeia apenas homens para o primeiro escalão do governo interino. Apoia projetos para mudar planos de educação e impedir que professores debatam gênero e, portanto, cultura do estupro em sala de aula. Defende o velho normal.

    Há inúmeras tentativas em campo de manutenção do velho normal. E é preciso cuidado, pois muitas se disfarçam de medidas de proteção da mulher e combate à violência.

    Qualquer ação macropolítica que se aproveite da revolução micropolítica para afirmar que a violência contra a mulher é um fenômeno novo, ou que ganhou nova dimensão, apenas mantém o velho normal.

    Qualquer política pública que parta do diagnóstico de que há onda de violência de gênero atípica, ou um pico de estupros em decorrência da crise econômica, nos distancia do debate sobre o machismo estruturante da sociedade.

    O mesmo vale para o punitivismo de medidas que singularizam o estupro coletivo, aumentam pena de prisão para esses casos e contribuem para a avaliação equivocada de que estupradores são monstros, não homens criados em meio à cultura do estupro.

    Nada disso nos ajuda a questionar privilégios e transcender a dominação, raízes da opressão contra a mulher.

    ALESSANDRA OROFINO, ANA CAROLINA EVANGELISTA, ANTONIA PELLEGRINO e MANOELA MIKLOS são ativistas feministas e editoras do blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha

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