• Opinião

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    ALBERTO ZACHARIAS TORON

    As causas do sucesso da Lava Jato

    23/06/2016 02h00

    "Mas antes de aplicar o tormento, a Inquisição deixava os réus apavorados, por meio de admoestações verdadeiramente sinistras. (...) Escusar-se-ia o Santo Ofício de aplicá-lo [os tormentos] caso Manoel confessasse 'inteiramente a verdade de suas culpas', pelo que o admoestavam... (Trecho do livro "Traição", de Ronaldo Vainfas)

    Ganhou enorme destaque o fato de que o STF (Supremo Tribunal Federal) reexaminará a decisão que autoriza prisões após o julgamento da apelação pelos tribunais. O colunista da Folha Hélio Schwartsman, em opinião compartilhada por muitos, escreveu em 18 de junho o texto "Lava Jato ameaçada".

    O autor argumenta que, admitida a prisão apenas após o trânsito em julgado, como o Supremo vinha decidindo há pelo menos uma década, perderia a Lava Jato, pois o estreitamento dos limites temporais para a prisão "deu enorme impulso às delações premiadas". "Sem essa perspectiva de desfecho rápido, aumenta a tentação dos envolvidos de manter a boca fechada", escreveu.

    Sem entrar em questões constitucionais, essenciais para a justa compreensão da controvérsia, o equívoco do articulista é gritante.

    Todos os que fizeram delação premiada até 2015, e não foram poucos, tinham a perspectiva, em tese, de recorrer "ao infinito" em liberdade. Os fatos são públicos: empresários como Ricardo Pessoa (UTC) e Léo Pinheiro (OAS) já estavam em liberdade quando se deram os procedimentos para a delação premiada. Sérgio Machado e seu filho nunca ficaram presos.

    Portanto, o êxito da Lava Jato não se deveu à recentíssima decisão do STF. Ao lado de uma criteriosa investigação conduzida por procuradores da República e a Polícia Federal, a operação contou com muitas prisões preventivas decretadas contra empresários e a vexatória exposição deles nos deslocamentos à Justiça Federal.

    Com prisões preventivas que se perpetuavam e delações de gerentes e diretores da Petrobras divulgadas, quando conveniente e pontualmente, aos quatro cantos, a perspectiva de condenação era alta, ainda mais se considerado o perfil do juiz da causa.

    Daí para os empresários "se sensibilizarem" para a denominada delação premiada, que passou a ser uma verdadeira estratégia de defesa, não demorou. O sucesso da Lava Jato tem a ver com a conjugação destes fatores e, francamente, não com a decisão do STF.

    Ocorre lembrar que, numa democracia comprometida com a presunção de inocência e o respeito à dignidade humana, o Estado não pode tudo em nome do sucesso investigativo. Disse-o, por todos, o próprio STF, ao qualificar a prática de prender preventivamente para "extrair do preso uma colaboração premiada, que, segundo a lei, deve ser voluntária" como ato "atentatório aos mais fundamentais direitos consagrados na Constituição, medida medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada".

    Para concluir com a epígrafe, "Manoel não resistiu a essa pedagogia do terror e, a exemplo de muitos outros réus da Inquisição, pediu para confessar. Vergou-se ao Santo ofício...". É para isso que querem prender antes do trânsito em julgado da condenação?

    ALBERTO ZACHARIAS TORON, 57, advogado criminalista, doutor em direito pela USP, é professor de direito processual penal da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap)

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