• Opinião

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    Marcos de Aguiar Villas-Bôas

    Trava de prejuízos é jabuticaba tributária

    23/06/2016 02h00

    Uma das principais causas dos problemas socioeconômicos do Brasil é o seu horrendo sistema tributário repleto de jabuticabas, não encontradas em (quase) nenhum outro lugar. A isenção dos dividendos é uma delas, como já critiquei aqui na Folha.

    Outra terrível peculiaridade tributária brasileira é a trava de aproveitamento dos prejuízos fiscais acumulados em 30% do lucro da empresa nos anos seguintes, que faz contribuintes com o mesmo lucro num período de tempo pagarem tributos até 70% maiores do que os demais somente por causa da forma de alocação de prejuízos e lucros ano a ano, desestimulando investimentos, sobretudo os de maior risco e oscilação nos resultados.

    Compensa-se apenas 30%, então a trava não é de 30%, mas de 70%! Ela gera tributação fora da capacidade econômica (contributiva) e enorme contencioso fiscal.

    Para evitar esses efeitos, a maioria dos países do mundo não tem trava de valor. Alguns fixam travas de tempo para evitar que os prejuízos sejam levados adiante indefinidamente.

    De quebra, boa parte dos países permite o carryback, inexistente no Brasil, que significa uma restituição dos tributos pagos em anos passados quando se tem prejuízo, o que equilibra os resultados em períodos distintos.

    Pode-se, inclusive, usar uma maior permissividade em relação ao carryback em caso de crise, dando maior fôlego às empresas, como os Estados Unidos já fizeram.

    Nos Brics, apenas o Brasil tem trava. Rússia, Índia e China não limitam os prejuízos com tetos de valores, mas apenas de tempo: 10, 8 e 5 anos. A África do Sul não limita nem valor, nem tempo.

    Nos países desenvolvidos analisados, entre os nórdicos, bastante avançados em política tributária, apenas a Dinamarca estabelece uma trava de valor, porém muito maior do que a brasileira, não afetando tanto o resultado das empresas e os tributos a serem pagos. A trava é de 60% do lucro que ultrapasse o valor de DKK 7.747.500,00.

    Quanto a Suécia, Finlândia, Islândia e Noruega, não há trava de valor e não há carryback, exceto no encerramento de empresas na Noruega, cujo limite é de 2 anos passados. Finlândia e Islândia fixam prazo de 10 anos para o aproveitamento normal dos prejuízos (carryforward).

    Quanto a Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Holanda, Suíça, Espanha, Sérvia, Croácia, Romênia, República Eslovaca, Austrália, Nova Zelândia, Japão, Cingapura e Chile - alguns com os melhores sistemas tributários do mundo, outros nem tanto - todos têm em comum a inexistência de trava de valor.

    Muitos deles, como Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, cujas tributações são avançadíssimas, não fixam limite de tempo. Estados Unidos, Espanha e Canadá fixam prazos longos: 20, 15 e 10 anos. Romênia, Suíça e Japão fixam prazos de 7 anos. A possibilidade de carryback em todos esses países varia bastante.

    Dentre os países mais desenvolvidos, portanto, além do caso da já mencionada Dinamarca, foram encontradas travas de prejuízos fiscais em relação aos valores somente na Alemanha e na França, porém, assim como no exemplo dinamarquês, o limite é muito maior do que no Brasil: 60% e 50% da renda que exceda 1 milhão de euros. Adicionalmente, ambos permitem o carryback de 1 ano limitado a 1 milhão de euros.

    Como se pode notar, assim como em vários outros temas tributários, há algo de estranho no Brasil, que destoa muito do resto do mundo, sendo difícil de crer, pelos dados e razões econômicas expostos, que nós estejamos certos e todos os demais errados.

    MARCOS DE AGUIAR VILLAS-BÔAS, professor universitário, doutor pela PUC-SP, é pesquisador independente na Harvard Law School e no Massachusetts Institute of Technology

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