• Opinião

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    THIAGO LOPES FERRAZ DONNINI

    Público e privado no ambiente estatal

    28/06/2016 02h00

    É possível remodelar a administração pública indireta no Brasil sem se restringir aos traumas dos escândalos que envolvem autarquias, fundações e empresas estatais?

    Em artigo publicado nesta Folha, o maestro John Neschling sustentou que a Fundação Theatro Municipal de São Paulo deveria ser transformada em fundação pública de direito privado. Atualmente, a rigidez autárquica de fundação pública de direito público foi flexibilizada por uma conturbada relação de parceria. Um dos resultados, segundo o maestro, foi a ação desenfreada de "ladrões e salafrários".

    Não fica claro, porém, se ele aposta em um novo modelo de entidade estatal, ou se, ao tomar o exemplo da Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), preferiria uma instituição privada do campo "público não estatal".

    Na atual conjuntura, uma nova entidade estatal reforçaria nossa tradição reativa a escândalos, ancorada na suposição de que só se controla o que está sob as amarras diretas do aparato estatal. Em matéria de administração pública, legislamos muito para o desvio e pouco para a rotina.

    Transposta ao plano nacional, essa racionalidade resultou, por exemplo, na Lei de Licitações, de 1993, editada após o impeachment de Fernando Collor, e, agora, na Lei de Responsabilidade das Empresas Estatais, rescaldo da Lava Jato.

    De fato, a nova lei pretende uniformizar, em detalhes, padrões de governança e de contratações de empresas públicas e sociedades de economia mista. Embora a Constituição brasileira tenha sujeitado as empresas estatais, expressamente, ao "regime jurídico próprio das empresas privadas", está em vias de se consolidar um nebuloso "modelo empresarial estatal de governança".

    A "responsabilidade das estatais" será afiançada pela repetição de normas vigentes e pela cristalização de algumas práticas de governança. As licitações, segundo a dicção legal, se destinarão a "evitar o sobrepreço e o superfaturamento". Um festival de truísmos. Haveria alternativas?

    Anos atrás, um grupo de juristas apresentou ao Ministério do Planejamento um anteprojeto de lei orgânica para administração pública no Brasil. Tratava, com especial atenção, do regime da administração indireta, disciplinando entidades estatais de direito público (autarquias) e entidades estatais de direito privado (empresas estatais, fundações estatais e consórcios públicos com personalidade de direito privado). Cuidava, ainda, das relações com entidades públicas não estatais (terceiro setor e serviços sociais).

    Com a regulação mais clara, não encontraríamos tantas armadilhas de engessamento e nem precisaríamos recorrer a tantos "puxadinhos" jurídico-administrativos -em geral, maltratando o regime das parcerias com empresas privadas ou entidades do terceiro setor.

    A nova lei das estatais revela grande potencial de insegurança ao impor, por exemplo, aplicação diferenciada por critério de receita operacional bruta das empresas -seguramente, mais uma fonte de controvérsias jurídicas.

    Já o anteprojeto dos juristas, atento às diferenças regionais do país, definiria padrões possíveis para a administração de todos os entes federativos. Em 2017, a ideia de lei orgânica, amplamente debatida no meio acadêmico, completará dez anos de "não vigência".

    THIAGO LOPES FERRAZ DONNINI, 35, advogado, é professor convidado do Grupo de Investigación Derecho Público Global da Universidade da Coruña (Espanha) e do curso de direito administrativo da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado)

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