• Opinião

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    Adriano Diogo, Audálio Dantas, Tereza Lajolo, Camilo Vannuchi e Fermino Fechio

    Por uma política de memória e verdade

    05/07/2016 02h00

    Entre os muitos retrocessos que tomaram de assalto o país desde a posse do presidente interino Michel Temer, um deles causa especial preocupação: o desmantelamento do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e sua incorporação ao Ministério da Justiça. Tal retrocesso não é apenas conceitual. Ele implica uma regressão de 19 anos.

    Foi em 1997 que o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, vinculada ao Ministério da Justiça. Seu primeiro titular foi o advogado José Gregori, que ocupara nos dois anos anteriores a chefia de gabinete do ministro da Justiça, Nelson Jobim.

    Gregori fora o responsável pelo lançamento, em 1966, do Plano Nacional de Direitos Humanos. Seguiram-se avanços importantes, como a aprovação da lei que tipifica o crime de tortura e a que transferiu da Justiça Militar para a Justiça comum a competência para julgar policiais militares que tenham praticado crimes comuns.

    Quando Jobim trocou o Ministério da Justiça pelo STF, em 1997, o professor Paulo Sérgio Pinheiro lançou um desafio para a área dos direitos humanos. Em artigo publicado na Folha, em 27 de março de 1997, afirmou: "Temos certeza de que o presidente Fernando Henrique Cardoso deixará claro, para quem for para a pasta da Justiça, que esse padrão de engajamento não pode ser abandonado, sob o risco de gravíssimo retrocesso. Para tanto, ajudaria muito definir logo e institucionalizar a área responsável pela política de direitos humanos."

    A Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi criada um mês depois, e, depois, o próprio Paulo Sérgio Pinheiro tornou-se seu titular.

    Em maio de 2003, já no governo Lula, a Secretaria dos Direitos Humanos foi finalmente desvinculada do Ministério da Justiça e passou a responder diretamente à Presidência da República, com status de ministério.

    O legado dessa nova fase, marcadamente a partir da nomeação de Paulo Vannuchi, em 2006, inclui a aprovação da terceira edição do Plano Nacional de Direitos Humanos, mais robusto do que as duas edições anteriores, e a publicação do livro "Direito à Memória e à Verdade", no qual estão relacionadas 339 vítimas fatais da repressão da ditadura.

    Em 2012, com Dilma na presidência, foi instituída a Comissão Nacional da Verdade, para investigar as graves violações aos direitos humanos no período de exceção.

    Devolver os Direitos Humanos à pasta da Justiça é um gesto simbólico. É no mínimo um contrassenso atribuir a responsabilidade de implementar políticas de direitos humanos ao mesmo órgão que administra as polícias, as fronteiras e a anacrônica guerra às drogas. A luta por Direitos Humanos tem sido também uma luta contra os excessos e os erros da Justiça.

    Consideramos nosso dever alertar para que nenhum retrocesso aconteça no âmbito da memória e da verdade. É fundamental dar continuidade aos trabalhos da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e ao grupo que faz a análise das ossadas encontradas na vala clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista.

    Políticas de memória e verdade precisam ser concebidas como políticas de Estado, e não de governo. Elas não podem oscilar conforme o humor dos governantes.

    ADRIANO DIOGO, geólogo, foi deputado estadual de São Paulo pelo PT (2006-2014)

    AUDÁLIO DANTAS, jornalista e escritor, foi deputado federal de São Paulo pelo extinto MDB (1979-1983) e presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

    TEREZA LAJOLO, professora aposentada de geografia da rede estadual de São Paulo, foi vereadora pelo PT (1983-1996)

    Também subscrevem este artigo o jornalista CAMILO VANNUCHI e o advogado FERMINO FECHIO. Os cinco autores são membros da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo

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