• Opinião

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    Ricardo Semler

    Explique aí, doutor Freud

    17/07/2016 02h00

    Freud, Dilma, você e eu: uma inescapável terapia em grupo. Afinal, o doutor faria agora 160 anos -e continuamos na mesma. Terapia, pois: sem haters, petralhas e coxinhas, por favor. Já deu.

    Meditemos: o que levou a presidente afastada, Dilma Rousseff, a deixar a Polícia Federal e o juiz Sergio Moro avançarem nas investigações? Incauto quem acha que ela não poderia ter interrompido tudo.

    Essa sempre foi a nossa história. Era só escolher a dedo o diretor da Polícia Federal. E lembremos que Dilma e Lula indicaram nada menos do que 8 dos 11 membros do Supremo Tribunal Federal! Esvaziar Curitiba era moleza.

    Algum desatento ainda acha que o PT inaugurou entre nós desvios e roubos de porte gigantesco? Ora, a soma ainda é recatada, se comparada com os anos 1970 em diante. Veio a público pela imprensa, antes conivente ou intimidada, somente porque Dilma relaxou as rédeas.

    Há um mecanismo freudiano em funcionamento.

    Tese para nossa terapia: primeiro, Dilma sabia de tudo, claro. Segundo, quem esteve na av. Paulista era hipócrita ou ingênuo. Na frente da Fiesp, escolheu Michel Temer com clareza, contornando a legitimidade de eleições antecipadas.

    Nessa terapia, até dou um sorriso envergonhado quando lembro que era vice-presidente da Fiesp há 30 anos, e ficávamos contando causos na sala da presidência, enquanto ministros da Fazenda ou Indústria tomavam chá de cadeira na recepção. "Deixa eles lá, estão no bolso", diziam meus colegas, naquela mesmíssima pirâmide.

    Em artigo nesta Folha em dezembro passado, defendi eleições antecipadas como única rota edificante. Oxalá nossos jovens gerem uma nova Diretas Já. Todavia, é muito provável, diz o Datafolha, que escolheríamos PT e Lula, de novo.

    Afinal, viramos qual página, seu Freud? Será que o povo é sábio e considera que todos roubam, então só nos cabe mesmo escolher o corrupto mais dedicado aos pobres?
    Dona Dilma, isolada no Planalto, pode ter pensado assim: "Estão desviando a torto e a direito, também para o PT, mas o Brasil sempre foi assim, e hoje não há outra maneira de chegar ao poder. Então vou arriscar um jogo da forca".

    Aí doutor Freud fez uma aparição, e Dilma deu voz ao inconsciente: "Eu mesma não botei um centavo no bolso. Será que não presto um serviço ao Brasil ao deixar a investigação correr um pouco mais? Não deixaria uma marca, trazendo à tona este modus operandi perene, fazendo com que os brasileiros se olhem no espelho?".

    Na medida em que o país foi descobrindo uma letra, depois outra, a forca parecia possível, mas improvável. "Deixa um pouco mais", pode ter pensado. Quase como presidiários que fogem, e têm dificuldade em acreditar que ninguém os segue, PF e Judiciário aceleraram. Com o tempo, fugiram de vez no horizonte.

    Dilma sempre foi arrogante e inábil, infelizmente para o país, e leu errado a situação. O PT não tem perdão por ter abandonado a ética em favor do poder. O país já havia descoberto cinco das letras do jogo da forca. Mas terá Dilma prestado, inconscientemente, um grande serviço ao Brasil?

    Desde que saí da Fiesp, declinei uma meia dúzia de convites para ser candidato a prefeito, secretário ou ministro. Pergunta-se por que pessoas "do bem" não topam ser políticos. Dilma responde, inconscientemente: "Hoje só tem lugar para quem joga pelas regras do bandido".

    Vejo gente do bem, como o Guilherme Leal, companheiro de chapa de Marina Silva na eleição de 2010, uma turma que jamais roubaria um centavo, mas se viu forçada a sentar-se com a empreiteira OAS para tentar conseguir algum.

    Marina e seu grupo são ingênuos e não conseguiriam sequer dar nome a um viaduto tendo pela frente centenas de malandros no Congresso, todos assentados pelo poder do voto popular. Meu e seu?

    Não há saída, portanto? Há sim, nós temos uma nova geração que parece decidida a olhar o todo e ter a ética como eixo, talvez pela primeira vez.

    Freud exigia cinco sessões por semana, e dez anos, como um primeiro prazo de terapia. Tudo andará bem, é só não ter pressa. Parabéns, Sigmund... e divãs pra todos nós.

    RICARDO SEMLER, 56, empresário, é sócio da Semco Partners e fundador do Instituto Lumiar, que administra as escolas Lumiar. Foi vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e professor visitante da Harvard Law School

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