• Opinião

    Monday, 06-May-2024 06:13:35 -03

    VLADIMIR KUHL TELES

    Olimpíada deixará legado positivo para o Rio? NÃO

    30/07/2016 02h10

    DIVERSÃO BEM CARA

    Vale a pena sediar uma Olimpíada? Muitos argumentam que um evento dessa magnitude trará benefícios para a economia brasileira, uma vez que atrairá turistas e melhorará a infraestrutura. No entanto, tal conta deve incluir as despesas e avaliar o custo de oportunidade ao se escolher tal investimento no lugar de outros gastos.

    Para tal análise, é necessário calcular o impacto do turismo na economia. Utilizando um modelo desenvolvido em coautoria com os professores Adam Blake, Thea Sinclair e Jorge Arbache, percebe-se que o retorno do segmento no Brasil é menor do que em outros países.

    Após calcular todos os efeitos diretos e indiretos na economia, pode-se dizer que, de cada R$ 100 gastos pelo turista internacional, o Brasil se beneficia de apenas R$ 45, em termos líquidos.

    Isso ocorre porque a oferta escassa de infraestrutura turística no Brasil faz com que o aumento da demanda tenha impacto maior nos preços do que na quantidade, acarretando um efeito contrário sobre a demanda doméstica (os serviços ficam mais caros, afastando os clientes).

    De acordo com os valores de orçamento divulgados, o custo da Olimpíada no Rio é de mais de R$ 39 bilhões, entre investimentos públicos e privados. Nesse caso, para que a sociedade tenha um retorno equivalente, zerando a conta, os turistas precisariam deixar aqui, durante os Jogos, aproximadamente R$ 84,4 bilhões. O valor realmente gasto será muito menor. Ou seja, haverá de fato aumento da renda e desenvolvimento de alguns setores, mas nada comparável ao custo total.

    Outro resultado obtido -os benefícios do turismo são maiores na renda das classes mais ricas da população. Assim, os mais pobres são os que menos se beneficiarão da vinda da Olimpíada.

    É bastante conhecido o fato de que a desigualdade tem impactos perversos sobre alguns dos principais problemas da sociedade brasileira, como a violência e a má qualidade das instituições. Além disso, também é cada vez mais evidente que o aumento do turismo implica sérios problemas urbanos.

    Além de tudo isso, os impactos do turismo sobre a renda são de curto prazo, frutos de um aumento momentâneo da demanda. Por outro lado, gastos em educação, saúde e infraestrutura têm resultados no crescimento econômico de longo prazo. Deveriam ser prioridade, se o objetivo é aumentar a renda.

    E a infraestrutura que será construída na Olimpíada? Nesse caso, deve-se lembrar de que o objetivo é sediar um evento, não aumentar a produtividade da economia ou atender demandas da população. Logo, também não seria esse o fator responsável por maximizar o retorno de longo prazo.

    Para perceber isso, basta olhar os "elefantes brancos" que restaram, com pouco uso e alto custo de manutenção, em países que sediaram eventos esportivos.

    Para os Jogos Pan-Americanos de 2007, por exemplo, o país investiu grandes somas na construção de complexos similares aos de agora. Pouco depois, chegou-se a cogitar demoli-los para a construção de shoppings, que dariam mais retorno.

    Não defendo aqui a aplicação de nossos escassos recursos na educação, saúde e infraestrutura, no lugar da preparação dos Jogos, por questões morais, embora fossem suficientes, mas sim por razões econômicas e sociais.

    Dizer que a Olimpíada trará benefícios para a economia e sociedade, no caso brasileiro, não é nada mais que uma falácia. Trata-se, isso sim, de uma diversão bem cara.

    VLADIMIR KUHL TELES, pós-doutor em macroeconomia pela Universidade Harvard (EUA),é vice-diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024