• Opinião

    Tuesday, 24-Sep-2024 06:21:41 -03

    IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

    Lei de repatriação de recursos é estímulo para a sonegação? Não

    13/08/2016 02h09

    LEGALIZAÇÃO PLENAMENTE JUSTIFICÁVEL

    A lei nº 13.254/16, que permite, na linha adotada pela maioria dos países desenvolvidos, a legalização de recursos mantidos no exterior -não decorrentes de corrupção, narcotráfico ou terrorismo- é plenamente justificável, apesar de mal redigida e pior esclarecida em instruções normativas.

    É difícil compreender a crítica que se tem feito a essa possibilidade de regularizar patrimônio no exterior. Em artigo que escrevi para esta Folha, há um ano, sobre a má qualidade do texto legislativo e a canhestra solução punitiva, argumentei que um projeto dessa natureza era necessário.

    À época, Everardo Maciel, Luiz Schoueri, Rogério Gandra Martins e eu defendíamos um projeto de extinção de qualquer punibilidade, desde que se pagasse o imposto de renda com multa moratória, no mesmo padrão permitido a qualquer contribuinte brasileiro em atraso.

    O acréscimo no montante a ser arrecadado seria em torno de 3%. Ninguém poderia contestar. Criou-se, todavia, uma redução do Imposto de Renda e uma multa sem natureza definida, que tem gerado críticas.

    A principal delas é que não seria justo beneficiar sonegadores. É feita principalmente por servidores dos três Poderes, que continuam obtendo benesses e aumentos de vencimentos enquanto os cidadãos não governamentais amargam um desemprego de 11 milhões de pessoas.

    Por isso, os 36% de carga tributária em relação ao PIB são insuficientes para sustentar a classe de servidores -lembrando que, por levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2012, nossa carga era superior a dos Estados Unidos (24%), de Japão e Suíça (29 e 28%) e de China e México (abaixo de 24%).

    O Brasil é formado por cidadãos de primeira e de segunda categoria. De um lado, os que têm segurança absoluta no emprego e podem usufruir de benesses, mordomias e aposentadorias especiais; de outro, aqueles sem maior segurança para o futuro.

    Por outro lado, grande quantidade de recursos foi enviada ao exterior para assegurar o patrimônio em tempos de instabilidade política. À maneira do que ocorre em outros países, estimula-se agora o retorno, o que pode gerar receitas públicas e recursos para combater a crise.

    Aqueles que contestam a concessão de benefícios teriam que contestar também todas as anistias e remissões liberadas sistematicamente adotadas no país nos últimos 50 anos por todas as entidades federativas.

    A indecente carga tributária brasileira obriga os governos, de tempos em tempos, a decretarem tais anistias e remissões. Isso irriga as combalidas burras oficiais, dirigidas por uma burocracia esclerosada, e permite que o país sobreviva economicamente.

    A lei de repatriação é, portanto, mais uma concessão, nos moldes das que já presenciei, continuamente, nestes 59 anos de advocacia.

    Apesar de a lei ser mal elaborada e confusa, considero que os contribuintes enquadrados nas hipóteses de repatriação devem acatar a proposta governamental, pois, a partir de 2018, segundo acordo internacional, não haverá mais sigilo possível no sistema financeiro mundial, razão que levou, em outros países, à adesão às repatriações, com base em leis muito mais claras e adequadas.

    Espero, todavia, que o governo melhore a qualidade da legislação e aumente a potencialidade da receita, determinando que apenas o patrimônio existente no dia 31/12/2014 seja objeto de imposto e multa.

    IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, advogado, é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024