• Opinião

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    FELIPE REZENDE

    O papel do BNDES

    17/08/2016 02h00

    O aprofundamento da crise tem ampliado a discussão sobre o papel do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

    Os críticos sugerem que a própria atuação do órgão inibe o desenvolvimento do crédito privado de longo prazo, pois juros subsidiados reprimem o desenvolvimento do mercado financeiro e geram um efeito de expulsão do investimento privado.

    No entanto, os dados revelam algo distinto. Apesar da crise global de 2007-8, na última década houve uma forte expansão do crédito privado e da emissão de títulos corporativos. Isso refletiu-se em novos marcos regulatórios, isenções fiscais, novos instrumentos de captação, menor volatilidade e queda dos juros e otimismo quanto ao crescimento.

    Além disso, em artigos anteriores, sugeri que os principais fatores que limitam a alocação dos recursos dos investidores para ativos de longo prazo são a alta taxa e a volatilidade dos juros.

    Os dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), de 2009 a 2015, mostram que o volume anual de emissões de debêntures (títulos da dívida), excluindo o leasing, passou de R$ 28 bilhões para R$ 58 bilhões.

    Em particular, no último ciclo de redução dos juros básicos, que atingiu o menor nível histórico em outubro/2012, houve forte crescimento das emissões de títulos corporativos, que subiram de R$ 51 bilhões em 2011 para R$ 90 bilhões em 2012.

    Os investidores institucionais, ao se confrontarem com um retorno bem inferior e a queda da percepção de risco, não relutaram em comprar títulos privados de longo prazo emitidos por empresas. Ou seja, com a queda dos juros cresceram tanto as emissões de títulos corporativos quanto os desembolsos do BNDES.

    Todavia, a volatilidade dos juros também interfere nas características dos títulos de dívida emitidos. Embora hoje o Banco Central controle diretamente apenas as taxas de juros de curtíssimo prazo, ele influencia indiretamente as taxas longas.

    O Banco Central contribui, dessa forma, para aumentar o risco de taxa de juros e os prêmios de risco exigidos nas maturidades mais longas.

    O mercado de títulos privados de longo prazo é inibido porque os prêmios são insuficientes para recompensá-los pelos riscos, dada a elevada volatilidade. Uma opção é equilibrar mais o jogo, anunciando metas também para as taxas longas (2, 5, e 10 anos) dos títulos públicos.

    Além disso, em tempos de juros mais elevados, os altos prêmios exigidos por investidores dificultam o financiamento de projetos de investimento. Por exemplo, nos últimos dois anos, 54% dos recursos obtidos com a emissão de debêntures foram alocados para o refinanciamento de passivo e capital de giro, enquanto que cerca de 15% dos recursos foram destinados para projetos de longo prazo.

    As emissões de debêntures são uma alternativa ao caro crédito bancário, mas não uma opção plena para financiar o investimento, que necessita de juros compatíveis com o retorno esperado.

    Em suma, soa insensato que a redução do papel do BNDES seria benéfica agora, quando é urgente retomar os investimentos. Ademais, não é sua atuação que inibe o mercado de dívida longa, mas sim a ineficiente política de juros adotada pelo Banco Central.

    FELIPE REZENDE, doutor em economia e matemática pela Universidade de Missouri-Kansas City (EUA), é professor associado do departamento de economia da Hobart e William Smith Colleges (EUA)

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