• Opinião

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    Editorial

    Roteiro pronto

    05/09/2016 02h00

    Numa conjuntura marcada pela profunda desmoralização das práticas políticas, seria de esperar que os candidatos à prefeitura tentassem reciclar seus modelos de campanha e de contato com o eleitor.

    Talvez leve tempo; talvez nada mude nunca —de tal modo o profissionalismo do "marketing" se sobrepõe ao debate autêntico e à apresentação direta de cada postulante a um cargo público, no que tenha de diferenciador, de próprio, de divisivo que seja.

    Ao contrário, torna-se esperado, e quase natural, que todo candidato invista sobretudo num consenso abstrato e pasteurizado em seus programas. É o que se viu, até agora, no horário eleitoral gratuito.

    Desse modo, quatro anos depois de uma campanha em que o apoio de Lula lhe foi indispensável, o atual prefeito Fernando Haddad omite na propaganda, salvo por uma tímida estrelinha, a identificação de seu partido; a sigla do PT não foi considerada informação relevante para o eleitor paulistano.

    Nenhum candidato, de resto, parece estar em condição de beneficiar-se dos padrinhos que possa ter. Segundo pesquisa do Datafolha, é grande a rejeição do eleitor não apenas a um candidato de quem se soubesse ser sustentado por Lula (73%), mas também a Marta Suplicy, do PMDB, e a João Doria Jr., do PSDB, apoiados por Michel Temer (65%) e Geraldo Alckmin (51%), respectivamente.

    Para essa evidente crise de credibilidade política, providenciam-se os antídotos de sempre. Entram em cena os artifícios das paisagens urbanas maquiadas, da iluminação favorável a obras e rostos de candidatos, dos jingles que, conforme o dia, variam do rap ao repente, do sertanejo à marcha triunfal.

    Por cima de tudo, melosos arpejos de piano e suavidades meditativas nas cordas adornam o "lado pessoal" do aspirante –álbuns de família, sorrisos em câmera lenta, a estudada franqueza com que se "olha nos olhos" do eleitor.

    Não há quem não reconheça, desde os primeiros segundos da emissão, a falsidade açucarada dos textos, a delirante pletora de números a respeito de obras feitas ou ainda a fazer, a facilidade automática das denúncias sobre carências que não serão resolvidas, a estridência das promessas sem lastro.

    Mesmo assim, é como se as convenções da linguagem fossem mais fortes do que a própria consciência de que nada ali é para valer.

    Sim, cabe em toda propaganda o "momento da autocrítica". Marta Suplicy fala dos "erros" de sua gestão anterior, esconjurando novas taxas; Haddad "reconhece" que não divulgou seus feitos. Pouco importa: o eleito, daqui a quatro anos, já tem pronto o roteiro de suas sinceridades –ou patranhas.

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