O Brasil figura, atualmente, na quarta posição mundial em número de pessoas presas: são 615 mil detentos. Estudos apontam que há um deficit de cerca de 250 mil vagas no sistema prisional brasileiro, número praticamente equivalente ao de presos provisórios que ainda aguardam julgamento, geralmente por meses, algumas vezes por anos.
Não é necessário maior conhecimento na área para perceber que o excesso de encarceramento observado na última década não tem provocado, por si só, a diminuição da incidência de crimes ou a melhoria da sensação de segurança.
Apenas em São Paulo há mais de 230 mil pessoas no sistema prisional, número que cresce em proporção impossível de ser acompanhada pela construção de novos presídios. Muitos são réus primários, presos por delitos que não envolviam violência física ou grave ameaça, situação que não justificaria a privação de liberdade como opção mais adequada.
Há ainda muito por fazer em todo o país, da produção sistematizada de dados sobre a gestão do sistema ao aprimoramento do trâmite de processos judiciais, em especial na área de execução penal.
Parte significativa desse avanço deve vir das defensorias públicas, a serem devidamente estruturadas, pois a imensa maioria das pessoas presas -em geral, pobres, negras e sem escolaridade- não tem condições de contratar advogados privados, dependendo de uma efetiva assistência jurídica gratuita.
No Estado de São Paulo, a defensoria inovou ao promover a primeira política permanente de atendimento a presos provisórios, após parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária do Governo do Estado.
Desde 2014, defensores paulistas se deslocam aos centros de detenção da capital para entrevistas reservadas, possibilitando a coleta de dados para realização da defesa processual, além de informações pessoais que podem viabilizar pedidos de liberdade, contato familiar e até mesmo fornecimento de tratamento médico.
Em meados de 2015, essa política permanente foi ampliada para estabelecimentos da região metropolitana e interior. Atualmente, 32 centros de detenção do Estado contam com esse atendimento, feito por 190 defensores. No ano passado, foram 7.596 atendimentos a presos provisórios. Monitoramento da defensoria apontou que 18,48% das prisões foram revogadas em um período inferior a 3 meses.
Em agosto deste ano, teve início também uma força-tarefa de defensores públicos para análise de benefícios a pessoas condenadas pelo chamado tráfico privilegiado, designação que alcança casos de acusados primários, com pequena quantidade de entorpecentes. Boa parte desses processos envolve pessoas que comercializavam substâncias para manter o próprio vício, em situação na qual os papéis de vítima e acusado se confundem.
Busca-se com esse projeto dar efetividade à decisão recente do STF que reconheceu não ser hedionda essa modalidade de delito. Há cerca de 5.000 pessoas com esse perfil presas no Estado, a maior parte em regime semiaberto, que já cumpriram quantidade de pena necessária à obtenção de indulto.
Outra parceria com a administração penitenciária prevê o monitoramento de casos de gestantes ou de mães de crianças pequenas, de modo a garantir a aplicação de prisão domiciliar em casos previstos por lei, resguardando e fortalecendo os vínculos familiares ou a regularização das guardas das crianças.
A defensoria pretende ter esse olhar global e multidisciplinar que transcende a pessoa do preso e alcança suas relações sociais e familiares, com a compreensão de que a simples construção de presídios não é solução para a criminalidade.
O custo humano do encarceramento em massa é enorme. É pago não apenas pelas pessoas presas mas por seus pais, irmãos e filhos. O custo social é altíssimo. O custo econômico é igualmente insustentável. A sociedade deve a si a busca de soluções melhores, mais inteligentes e humanas.
Davi Depiné, 43, mestre em direito processual penal pela USP, é defensor público-geral do Estado de São Paulo
PARTICIPAÇÃO
Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.