• Opinião

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    LEON VICTOR DE QUEIROZ

    Lei do Impeachment deve ser modificada? SIM

    10/09/2016 02h00

    LEGISLAÇÃO DEIXA EXECUTIVO VULNERÁVEL

    A Constituição brasileira, segundo juristas, é ampla e detalhista. Se utilizarmos a jurimetria de Zachary Elkins, professor da Universidade da Califórnia, chegaremos à mesmas conclusão.

    Assim sendo, por que um texto constitucional amplo, extenso e detalhista apenas citou, genérica e abertamente, as hipóteses de impeachment, maior punição para um cargo eletivo em um contexto de eleições legítimas?

    Pior: nossa Carta Magna delegou as definições das hipóteses abertas à lei ordinária, com quórum de maioria simples. É importante dizer que, à época da constituinte de 1988, essa norma já existia: trata-se da lei nº 1.079 de 1950, que define os casos e também regula o procedimento da cassação de mandato.

    O instituto do impeachment é hoje associado ao presidencialismo, mas sua gênese remonta aos governos parlamentares, pré e pós Absolutismo. Todavia, a submissão do agente público à lei retirava do Parlamento o poder de decidir livremente, chocando-se, pois, com o núcleo fundante do princípio da soberania parlamentar.

    Para resolver esse imbróglio, o impeachment, no sistema parlamentarista, foi substituído pelo voto de confiança, mecanismo pelo qual uma maioria parlamentar seria capaz de destituir do cargo os agentes escolhidos pelo próprio Parlamento, incluindo o primeiro-ministro, sem maiores justificativas. À época, o presidencialismo ainda não havia sido criado.

    Nos idos da década de 1770, James Madison e Alexander Hamilton criaram o presidencialismo americano e incorporaram o instituto do impeachment.

    O cientista político espanhol Juan Linz, em artigos sobre o tema, mostra as possibilidades de impasse provocadas pelo sistema de separação de Poderes, no qual o Executivo sem maioria parlamentar geraria dificuldades capazes de levar o regime ao colapso, o que seria impossível de acontecer no sistema de Poderes fundidos, o parlamentarismo, em função de sua válvula de escape: o voto de confiança.

    Ou seja, um governo que perde maioria parlamentar pode ser destituído pelo Parlamento que o elegeu.

    No Brasil, a Lei do Impeachment, ao especificar as hipóteses de impedimento sob a alcunha de "crimes de responsabilidade" -que, na verdade, não são crimes, pois não estão previstos na lei criminal nem submetidos aos princípios do direito penal-, acabou por criar 65 hipóteses de cassação de mandato, que em tese autorizam o Congresso a remover o presidente da República definitivamente do cargo.

    Diferentemente do voto de confiança, mecanismo hoje típico do parlamentarismo, o impeachment dá ao Senado o poder de remover o chefe de governo e o chefe de Estado, figura única no presidencialismo, eleita pelo povo, não pelo Congresso.

    Por isso, esse procedimento necessita ser preciso e livre de ambiguidades. As hipóteses devem ser taxativas e definidas dentro do texto constitucional, que tem quórum de maioria qualificada para sua alteração. No desenho institucional atual, o presidente da República fica extremamente vulnerável a normas imprecisas, ambíguas e até mesmo controversas.

    É nesse sentido que o arranjo institucional brasileiro acabou por permitir mecanismos próprios do voto de confiança, embora normativamente ele não seja desejável em um modelo presidencialista.

    A legislação precisa ser modificada para evitar a destituição do presidente da República sob procedimentos inadequados.

    Todos os presidentes, a partir de 1988, foram alvos de pedidos de cassação protocolados no Congresso, mas apenas os relacionados a Fernando Collor e Dilma Rousseff foram deflagrados, pois ambos não conseguiram eleger um aliado para a presidência da Câmara.

    Fernando Henrique Cardoso e Lula não amargaram o desgaste político do impeachment por terem sido exímios articuladores.

    Hipóteses do tipo "negligenciar a conservação do patrimônio nacional" ou " abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais", ambas elencadas como crimes de responsabilidade na lei nº 1.079, acabam por permitir interpretações das mais diversas, deixando o chefe do Executivo vulnerável ao Legislativo.

    LEON VICTOR DE QUEIROZ, 36, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco, é professor de ciência política da Universidade Federal de Campina Grande (PB)

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