• Opinião

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    ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO

    O verdadeiro sistema de justiça criminal brasileiro

    13/09/2016 02h00

    Em tempos de Operação Lava Jato, a população brasileira viu-se diante de acontecimentos inusuais neste país: importantes agentes públicos, empresários e banqueiros sendo envolvidos em procedimentos criminais.

    O noticiário, dada a relevância política e econômica das questões, acompanha diariamente o desenrolar da trama, ora com coberturas corretas e objetivas, ora mais ufanistas.

    Não se pode negar a importância destas investigações, as quais, desde que mantidas nos extremos rigores da legalidade, podem significar um avanço ao sistema de justiça brasileiro.

    Aliás, a própria produção acadêmica também vem se debruçando, sem alarde e com atenção, sobre todos estes fatores.

    Ocorre que é preciso destacar que este cenário recentemente desvelado, nem de longe, reflete o nosso verdadeiro sistema de justiça criminal.

    O direito penal no Brasil, dadas as estatísticas disponíveis, reflete muito mais e largamente uma "criminalidade de massas" ao invés desta "criminalidade dos poderosos", em que pese a falha intuição, eventualmente, conduzir à conclusão contrária.

    Nos últimos 15 anos, a população carcerária brasileira triplicou. De acordo com os últimos dados de dezembro de 2014, foi atingido o número aproximado de 600 mil presos. Outros índices apontam para mais de 700 mil.

    Desnecessário dizer o perfil dos presos e ocorrências policiais que conduzem ao cárcere. Furtos, roubos, delitos patrimoniais em geral, além do tráfico de drogas, representam cerca de 80% a 85% deste total.

    O perfil dos conduzidos à prisão são os jovens pobres, em sua maioria negros e advindos da periferia geográfica e social. O nível de escolaridade é baixíssimo. Cuida-se de um sistema criminal gestor da miséria.

    As unidades prisionais espelham uma sociedade desigual, na qual a história brasileira é sintetizada na imagem daqueles que cumprem penas ou estão cautelarmente presos.

    Sobre isso, muito oportuna a reportagem desta Folha. Sob o título "Um menor é apreendido em flagrante a cada 3h em SP", o jornal desnudou um quadro desalentador. O Sistema Penal Juvenil, componente do sistema de justiça criminal como um todo, corrobora este protagonismo da "criminalidade de massas".

    Os menores são apreendidos fundamentalmente em áreas carentes. As mães destes jovens relatam desespero e desencanto.

    No ambiente de exclusão e pobreza, as famílias perdem os seus filhos para o tráfico de drogas e pelo desejo dos jovens de acesso a bens que, em face da situação de miserabilidade, apenas é possível por meio de subtrações.

    Ao mesmo tempo, a juventude é vítima das reações policiais desproporcionais e violentas. Pode-se afirmar que é esta mesma juventude a protagonista de um sistema de justiça que reage de modo excessivo e punitivista contra um tipo de criminalidade que a própria sociedade, em última instância, é responsável pela produção.

    É necessário problematizar esta situação. Relevantes são as iniciativas do Departamento Penitenciário Nacional no implemento das penas substitutivas.

    Igualmente, aplausos merece o Conselho Nacional de Justiça nos esforços de viabilização da audiência de custódia.
    No tema das drogas e dos delitos patrimoniais é preciso buscar soluções alternativas, na qual a repressão não seja o instrumento principal.

    A sociedade brasileira, que hoje tanto debate a "criminalidade dos poderosos", deveria aproveitar este momento para refletir sobre os nossos "criminosos de sempre".

    Talvez tenha chegado o momento de um profundo repensar sobre nossa estrutura social, nosso sistema de ensino e educação, sobre as oportunidades que precisam ser oferecidas a todo cidadão.

    Devemos olhar a cadeia de hoje para percebermos o quanto é importante a construção da escola do amanhã.

    ALAMIRO VELLUDO SALVADOR NETTO, 36, é professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça

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