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    editorial

    Voo cego

    28/09/2016 02h00

    A arqueologia da tragédia, impulso irrefreável, é tanto vã quanto necessária. Aos sobreviventes ou familiares das vítimas as respostas nunca compensarão as perdas. À sociedade em geral algumas lições oportunas, ainda que com certo amargor, são oferecidas.

    Revisitar hoje o acidente aéreo com o Boeing da Gol que matou 154 pessoas há dez anos implica esse duplo movimento. Em 29 de setembro de 2006, o avião chocou-se com o jato executivo Legacy e caiu numa floresta densa no Mato Grosso. Não houve sobreviventes no Boeing; o Legacy conseguiu pousar na base aérea do Cachimbo (PA), sem feridos.

    Como em geral ocorre em casos dessa amplitude, uma combinação de erros revelou-se fatal, permitindo que duas aeronaves voassem, na mesma altitude e horário, em sentido contrário.

    Investigações apontaram que os pilotos americanos do Legacy não seguiram o plano original de voo, aprovado pela Aeronáutica. Além disso, o sistema transponder, que informa ao radar do controle aéreo a posição correta do avião e sinaliza a aproximação perigosa de outra nave, estava desligado.

    Os controladores de voo em Brasília, por sua vez, não perceberam que o jato voava em altitude errada.

    Os dois pilotos e dois controladores foram condenados a três anos e um mês de prisão cada um —pena que ainda não cumpriram.

    O desastre descortinou uma série de graves deficiências do controle aéreo do país, como rememorou reportagem desta Folha. Radares e rádios não cobriam todo o território nacional –e por isso Brasília ficou sem contato com os pilotos do Legacy por quase uma hora.

    A formação deficiente e a sobrecarga de trabalho foram outros argumentos apontados pelos agentes para explicar a tragédia. Em um cenário tão desfavorável, chega a dar calafrios imaginar quantos outros acidentes não terão sido evitados por puro acaso.

    Felizmente, uma década depois, o ambiente parece mais seguro. Segundo a Aeronáutica, intensificou-se o treinamento para situações de perda de contato com a aeronave. O número de controladores, ademais, saltou de 2.800 para 4.200.

    De acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB), a média de acidentes anuais em voos no Brasil, para cada milhão de decolagens, caiu de 3,5 em 2007 para 1,33 em 2015.

    Todavia, restam lacunas graves a serem sanadas. Ainda há falhas na comunicação via rádio, sobretudo no norte do país. Passados dez anos, já era tempo de o Brasil ter incorporado plenamente lições aprendidas de forma tão dura.

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