• Opinião

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    Miguel De Almeida

    Bifes, bytes e o vaso sanitário

    13/10/2016 02h00

    Imagino como seria a expressão dos companheiros (Lula? Rui Falcão? Vaccari?) diante de um PowerPoint com dados de duas pesquisas em andamento.

    Depois de navegar todos os oceanos do planeta, recolher diferentes tipos de algas e realizar seu sequenciamento genômico, o cientista norte-americano Craig Venter divulgou estar próximo de desenvolver em laboratório o petróleo sintético. Por mil demônios venusianos!

    A Fundação Bill & Melinda Gates distribuiu a oito universidades alguns milhões de dólares, em 2014, para que façam do vaso sanitário -sim, a velha privada- um misto de bateria e processador de detritos.

    A ideia é que esse objeto de alta tecnologia possa prescindir de canos embaixo da terra e faça ali mesmo o serviço completo: as fezes se transformariam em energia (um joule diário, capaz de carregar celulares), e a urina, também esterilizada, viraria desde sal de mesa a fertilizantes.

    A invenção ajudaria a resolver alguns impasses atávicos : a falta de saneamento básico é ainda uma das causas principais de mortalidade infantil e, apenas nos Estados Unidos, a descarga das atuais privadas (um artefato inventado ali pelo século 19) representa cerca de 31% do consumo de água. Sem falar no desperdício dos vazamentos.

    Aos personagens das pesquisas: Bill Gates é um dos criadores da Microsoft e rico de dar dó. Seu incentivo à pesquisa se dá pela intenção em debelar males enfrentados pela humanidade, como a vizinha escassez de água. Não me parece que seja alguém ingênuo. Se alcançar seu intento, por certo sua fundação terá royalties para toda a eternidade.

    Craig Venter, um dos meus heróis, cientista-empresário de alto quilate, pilotou o sequenciamento do genoma humano, cerca de dez anos atrás, dentro do projeto Celera. Enquanto o governo americano gastou ao menos US$ 10 bilhões na pesquisa, seu instituto chegou às mesmas descobertas com 20% dessa quantia.

    A produção de petróleo por meio da biotecnologia nos dará a possibilidade de uma energia limpa e sem muitas agressões à natureza.

    E então, companheiros? E o que falar do carro autônomo, sem motorista? Já existem ralis com 200 km de percurso nessa categoria. Sim, automóveis não pilotados disputam nos Estados Unidos uma corrida em pista íngreme, sinuosa e inóspita.

    Nossa indústria pátria (de capital estrangeiro, mas protegida pelos sindicatos de trabalhadores, veja só cara professora Chaui) mal consegue nos oferecer uma embreagem que chegue aos 50 mil km sem troca de peças.

    Tudo, afinal, se resume a opções e escolhas. Nosso ouro financiou a alavancagem da Revolução Industrial, enquanto o governo de sua majestade, em conluio com os cafeicultores, insistiu na mão de obra escrava e na monocultura. Pouca coisa mudou: agora estamos perdendo a revolução digital e exportando minério bruto.

    Os conceitos e as análises do partido deposto, após 13 anos no poder, resultaram numa mistificação econômica (damos o Bolsa Família, mas limpamos a Petrobras), na defesa de matrizes de fôlego curto (subsídio à indústria automobilística em detrimento de uma cadeia mais moderna, como a de energias alternativas) e na histeria de um Estado proprietário de estradas e aeroportos.

    Melhor do que discurso, só os substantivos. O renascimento japonês deu ao mundo a Sony; a Coreia do Sul ofereceu a Samsung e a LG. A modernidade do PT brindou ao planeta a Friboi. Sim, um açougue multinacional.

    MIGUEL DE ALMEIDA é editor e escritor. Dirigiu, com Luiz R. Cabral, o documentário "Não Estávamos Ali para Fazer Amigos", sobre a atuação do caderno "Ilustrada", da Folha, no fim da década de 1980

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