• Opinião

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    Sérgio Almeida

    Proposta de teto de gastos precisa de ajustes? NÃO

    15/10/2016 02h00

    PROJETO TRAZ LIÇÕES DE ECONOMIA

    Governos não têm dinheiro. O que gastam é, em essência, proveniente das famílias, na forma de imposto ou de empréstimo sobre os quais pagam juros. Esse é um princípio fundamental das finanças públicas.

    O governo brasileiro sistematicamente gasta mais do que arrecada. Esses deficit são graves, uma vez que, ao pressionarem a taxa de juros para cima, contaminam recessivamente toda a economia. O princípio acima dita que há apenas três formas de eliminar esses deficit: aumentando impostos, endividando-se ou cortando gastos.

    A proposta de emenda constitucional (PEC) 241 é uma primeira peça em um quebra-cabeça de reformas que ataca nosso problema fiscal pelo lado que o governo melhor controla: o gasto público.

    A PEC 241 estabelece um limite para a soma das despesas primárias e uma regra de reajuste desse limite pela inflação do exercício anterior. A medida tem o benefício imediato de interromper o crescimento acelerado do gasto, diminuir a necessidade de aumento de impostos e tornar crível que o desajuste fiscal será resolvido.

    Isso abre espaço para a queda dos juros e da inflação, com consequente retomada do crescimento da economia. Sua aprovação, entretanto, terá uma série de outros benefícios.

    Primeiro, terá o efeito pedagógico de finalmente ensinar que há uma restrição orçamentária por parte do governo. Isso deixará explícita a natureza conflituosa das escolhas de gasto e nos forçará a escolher as prioridades nacionais.

    Segundo, devolverá para nossos representantes no Congresso a prerrogativa de decidir com exclusividade sobre a composição dos gastos orçamentários. Sempre houve um limite para os gastos, mas a natureza sistematicamente fictícia do Orçamento votado no Congresso transferia parte das decisões a burocratas. A PEC dará mais legitimidade e transparência a essas escolhas.

    Terceiro, funcionará como um poderoso mecanismo de alinhamento de muitos que recebem benefícios da Previdência. A população está envelhecendo. Os gastos previdenciários tendem a aumentar em ritmo crescente.

    Na presença de um teto para a soma das despesas primárias, honrar tais gastos previdenciários exigirá um achatamento de outros gastos. Reformar a Previdência passa então a ser do interesse de todos que perderiam com essa nova configuração -milhões de brasileiros. Isso ajudará o governo a preservar algum capital político para enfrentar reformas posteriores.

    Quarto, ajudará a racionalizar e "suavizar" ao longo do tempo o investimento em saúde e educação. Como há pisos constitucionais para essas áreas, muitos gestores se veem forçados a realizar gastos desenfreados no fim do exercício, possivelmente não planejados e ineficientes, a fim de cumprirem a lei.

    Há críticas à proposta. As propositivas advogam, como alternativa, o aumento da tributação, a redução dos juros "na marra" e o aumento dos gastos que induziriam crescimento e aumento da receita, aliviando um desequilíbrio fiscal causado justamente pelo dispêndio da verba pública. Conceitualmente erradas, essas ideias já foram tentadas no passado recente, sem sucesso. Não faz sentido insistir no erro.

    A PEC 241 surge como resposta a uma grave crise fiscal que produziu uma das maiores recessões da história econômica brasileira. Dizem que temos três escolhas quando algo ruim acontece: deixar que isso nos defina, nos destrua ou nos fortaleça. Há inúmeras razões para acreditar que a PEC 241 nos fortalecerá.

    SÉRGIO ALMEIDA é professor de teoria microeconômica na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. É doutor na área de economia comportamental e experimental pela Universidade de Nottingham (Reino Unido)

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