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    editorial

    Merenda legislativa

    19/10/2016 02h00

    Mesmo em tempos de Lava Jato e cifras bilionárias desviadas no esquema do petrolão, causou espanto o nível de desfaçatez a que se afirma ter chegado o escândalo da merenda no Estado de São Paulo.

    Segundo o delator Marcel Ferreira Julio, a entrada, a área externa e o restaurante da Assembleia Legislativa sediaram encontros para pagamento de propina a dois ex-assessores do presidente da Casa, Fernando Capez (PSBD).

    O depoimento se deu no âmbito da Operação Alba Branca, que investiga contratos firmados entre a Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar), prefeituras e a Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

    Suspeita-se de um esquema de fraudes na distribuição de suco de laranja para a rede de ensino, assegurado por propinas que atingiriam até 30% dos valores contratados.

    Apontado como elo entre a Coaf e o governo, o delator afirmou que os pagamentos, em dinheiro vivo, foram realizados ao longo de 2015. Ao menos R$ 400 mil em propina teriam sido destinados a pagar dívidas da campanha de Capez de 2014 —o presidente do Legislativo paulista nega ter relação com o caso.

    Seria de imaginar que a simples suspeita quanto ao uso escandaloso das instalações da Assembleia para fins ilícitos provocasse reações inflamadas por parte dos deputados. Por ora, todavia, nada alterou o marasmo que prevalece na Casa.

    Não custa lembrar que a ampla base de apoio do governo tucano agiu como pôde para evitar a criação de uma CPI. Só recuou em maio com a forte pressão da opinião pública e de entidades estudantis, que chegaram a ocupar a Assembleia. Das 9 vagas da comissão, 8 são ocupadas por aliados de Alckmin.

    Os episódios desabonadores não se limitam à alegada corrupção. O Tribunal de Contas do Estado constatou que 38% das escolas estaduais não possuem condições adequadas para fornecer alimentos e que 91% delas não dispõem de atestados da vigilância sanitária.

    Desprezando esses indícios, o deputado Barros Munhoz (PSDB) declarou na CPI que o caso não merece o destaque dado pela imprensa. "Nós temos que dar medalha de boa gestão para quem conduz a merenda no Estado", disse.

    Se um esquema de corrupção organizado em torno do fornecimento de comida a crianças da rede pública de ensino não merece destaque, o que dizer de inúmeros escândalos de menor impacto midiático? Decerto seriam varridos para baixo do tapete da Assembleia —e talvez seja isso mesmo o que têm feito muitos dos deputados estaduais de São Paulo.

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