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    editorial

    Cratera na Justiça

    21/10/2016 02h00

    A Justiça estadual paulista chegou, não pela primeira vez, a uma decisão a um só tempo tardia e falha: quase dez anos depois, inocentou todos os 14 acusados pela morte de sete pessoas na cratera que se abriu durante obras da linha 4-amarela do metrô.

    Em sua sentença, a juíza Aparecida Angélica Correia, da 1ª Vara Criminal de São Paulo, afirmou não ter ficado demonstrado nos autos que os técnicos do consórcio construtor e do metrô tivessem meios de evitar o desastre —e nada impede que ela tenha razão.

    "Cabe ao Poder Judiciário analisar a questão de maneira isenta, sem influenciar-se pelo clamor popular, mas tão somente com base nas provas colhidas", escreveu.

    Difícil discordar desse raciocínio abstrato, sobretudo pela complexidade dos eventos, com várias causas a concorrer para o resultado. Mais difícil ainda, contudo, é aceitar a conclusão de que ninguém deve responder por uma tragédia com características bem concretas.

    O desabamento que resultou num buraco de 80 metros ocorreu precisamente no local onde se faziam escavações de uma estação de metrô. Se as equipes que acompanhavam a execução da obra não apontaram a possibilidade do acidente, alguém falhou —por negligência, imprudência ou imperícia—, pois acidente houve.

    A sentença em primeira instância, da qual o Ministério Público recorrerá ao Tribunal de Justiça, é de todo modo apenas mais um capítulo de um processo que já começou provocando desconfiança.

    A despeito das dimensões da empreitada e da tragédia, as cúpulas das construtoras e da estatal nem constaram da lista de réus na ação penal, que mirou basicamente funcionários de médio e baixo escalão.

    Agora, segundo esta Folha noticiou, há motivos para elevar as conjecturas à categoria de grave suspeita. Documentos apreendidos pela Polícia Federal sugerem que as empresas envolvidas nas obras da linha 4 pagaram propina ao Ministério Público —não há menção a um promotor em particular.

    Os primeiros indícios surgiram ainda em 2009, durante a Operação Castelo de Areia (cujas apurações foram anuladas). Mais recentemente, material colhido pela Lava Jato reforçou a suspeição. Os valores citados superam R$ 3 milhões e estão associados às investigações do desastre na linha 4.

    O fato de as obras serem de responsabilidade de um consórcio liderado pela Odebrecht e integrado por OAS, Queiroz Galvão, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez amplia a verossimilhança da suspeita.

    Dadas as circunstâncias, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo determinou a abertura de um inquérito. Não se poderia esperar outra coisa, mas ainda será preciso muito mais para cobrir a cratera que se abriu entre a expectativa de justiça que a sociedade nutre e a capacidade do aparato judicial de dar uma resposta efetiva.

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