• Opinião

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    ROGÉRIO MORI

    Banco Central acertou ao reduzir taxa de juros? NÃO

    22/10/2016 02h00

    O DEBATE QUE NÃO OCORREU

    Um dos maiores desafios iniciais do governo Michel Temer foi a reconstrução da credibilidade. À esquizofrenia de um governo que, ao mesmo tempo, tentava controlar a inflação com juros mais elevados e aquecer a economia via estímulos ao crédito seguiu-se, nos últimos meses, a reordenação das diretrizes da política econômica.

    O governo tem sido relativamente bem-sucedido, até o momento, em reconstruir os pilares da política fiscal.

    No plano da política monetária, a prioridade foi pelo controle da inflação, mantendo o aperto dos juros desde que a nova direção do Banco Central (BC) assumiu. Por conta disso, a variação do IPCA acumulada em 12 meses tem dado sinais de queda, ainda que de forma lenta (até agosto, essa medida ainda situava-se na casa dos 9%).

    Ao mesmo tempo, o comportamento da inflação tem registrado oscilações que não configuram uma trajetória de redução unidirecional: em certos momentos, o comportamento dos preços traz alguns repiques inflacionários.

    O patamar atual tem imposto um esforço hercúleo à política monetária para criar uma trajetória de convergência para o centro da meta. Isso é decorrência do elevado grau de indexação (ainda que em bases anuais) que persiste na nossa economia e da dispersão das expectativas de inflação, oriunda da leniência do BC com a dinâmica da alta dos preços durante tanto tempo.

    Nesse último quesito, a nova administração tem se mostrado eficiente em reconstruir a credibilidade em torno da política monetária, reafirmando seu compromisso com a estabilidade de preços. Todavia, tanto a inflação corrente quanto as perspectivas de curto prazo ainda apontam para um patamar elevado.

    O BC, apesar disso, optou por reduzir a taxa de juros em 0,25 ponto percentual, fundamentado tanto na trajetória de queda recente quanto nas suas projeções (e nas elaboradas pelo mercado), que indicam variação do IPCA de 4,4% a 5,0% no ano que vem.

    Nesse sentido, a construção analítica realizada pelo BC em torno do cenário econômico e do comportamento dos preços criou uma espécie de convergência entre os agentes, na qual o corte dos juros tornou-se não apenas uma unanimidade como também uma espécie de condicionalidade para o bom funcionamento dos instrumentos de comunicação do BC no futuro.

    Por conta disso, não houve o debate sobre a redução ou não dos juros. No entanto, existem argumentos que justificariam que a taxa Selic permanecesse inalterada na última reunião do Comitê de Política Monetária do BC.

    A manutenção dos juros ajudaria a consolidar o compromisso do BC com a inflação mais baixa, reforçando o realinhamento das expectativas. Segundo dados da sondagem de setembro da Fundação Getulio Vargas, os consumidores ainda esperam um patamar superior a 9% de inflação no acumulado dos próximos 12 meses.

    A manutenção dos juros, nesse sentido, estimularia uma convergência mais rápida, facilitando o trabalho do BC no futuro.

    Ao mesmo tempo, a inflação ainda tem oscilado em patamar elevado e qualquer choque de oferta adverso pode ter efeitos inflacionários nos próximos meses. Isso poderia proporcionar um repique, com impactos sobre a trajetória de variação dos preços e nas expectativas. Esse risco seria minorado na eventualidade de uma manutenção dos juros.

    De qualquer forma, a opção do BC em cortar os juros não é desprovida de coerência. O que ele precisa, a partir de agora, é que, de fato, a trajetória de inflação siga o projetado.

    ROGÉRIO MORI, doutor em economia pela Fundação Getulio Vargas, é professor de macroeconomia e economia brasileira na mesma instituição

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