• Opinião

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    DANIEL GODINHO

    A política comercial de Trump

    29/11/2016 02h00

    A vitória de Donald Trump vem causando uma onda de incertezas e preocupações. Em sua campanha prometeu voltar a produzir nos EUA manufaturas cujas plantas de produção há muito deixaram o país. O presidente eleito chegou a afirmar que fará com que a Apple passe a fabricar os seus produtos nos EUA, e não mais na Ásia.

    Promessas desse tipo não poderão ser cumpridas. A produção mundial concentrou-se na Ásia e em alguns outros países em função de seus baixos custos. As empresas se adaptaram a essa realidade. Ainda que existam movimentos de retorno de fábricas a seus países de origem, serão bastante pontuais.

    A chamada Quarta Revolução Industrial, com crescente utilização de novas tecnologias, robótica e impressão 3D, ao fazer com que fatores como o trabalho percam peso nos custos totais de produção, poderia levar a algum tipo de "repatriação" no futuro. No entanto, esse processo não se dará no curto prazo.

    O que resta então a Trump para fazer valer as suas promessas? Ele atacou os acordos comerciais dos EUA, como o Nafta (em vigor, com México e Canadá), o TPP (recentemente assinado, com Japão, México, Chile, Peru e outros 7 países) e o TTIP (em negociação, com a União Europeia).

    Essas críticas apontam para o fechamento da principal economia do mundo, com impactos negativos para o comércio internacional. Em relação ao Brasil, que deseja se abrir em meio a uma guinada protecionista, além de desafios, podem surgir algumas oportunidades.

    Ainda que Trump possa, sem depender do Congresso, retirar os EUA do Nafta -seria necessário apenas uma notificação com seis meses de antecedência-, tal medida dificilmente seria implementada. Muitas empresas norte-americanas se beneficiam do acordo e farão bastante pressão, em sintonia com seus representantes no Congresso.

    Por outro lado, é esperado um resfriamento das relações econômicas entre os EUA e o México. Provavelmente veremos um muro, real ou virtual, entre os dois países. Nesse caso, abre-se uma oportunidade para o Brasil.
    As duas maiores economias da América Latina estariam diante de um incentivo inédito para firmarem o acordo de livre comércio que negociam desde o ano passado.

    Já o TPP muito dificilmente terá futuro, o que não quer dizer que deixará de causar impacto. Mesmo que não seja aprovado, suas cláusulas já servem de modelo para futuros acordos comerciais.

    O TTIP, por sua vez, não irá à frente. Surge aqui mais uma oportunidade para o Brasil. Do ponto de vista estratégico e econômico, o acordo Mercosul-União Europeia torna-se ainda mais oportuno.

    O processo será penoso e se encontra ameaçado por ventos protecionistas também na Europa, mas é inegável que ganha importância nessa conjuntura.

    A China talvez tenha sido o principal alvo dos ataques de Trump. Recentemente, foi aprovada nos EUA nova legislação para combater manipulações cambiais, que poderia começar a ser aplicada, em que pese a sua sensibilidade política.

    Foram também aprovadas propostas que facilitam a execução de medidas de defesa comercial. Embora tendam a ser aplicadas principalmente contra a China, um maior ativismo dos EUA nessa área prejudicará as exportações brasileiras, a exemplo do que vivemos recentemente nos setores de aço e papel.

    Aqui reside a principal preocupação para o Brasil, que tem nos EUA o seu segundo parceiro comercial e o principal destino de seus produtos manufaturados.

    Dados os limites, políticos ou econômicos, em outras áreas de atuação, as promessas do futuro presidente Trump tendem a ser implementadas por meio de medidas de defesa comercial, com elevado potencial de risco para as exportações brasileiras.

    DANIEL GODINHO é consultor sênior do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Foi secretário de comércio exterior no governo Dilma Rousseff. O artigo não reflete a opinião do BID

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