• Opinião

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    JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

    O dia em que Fidel morreu

    12/12/2016 02h00

    Sou curioso. Sempre quis conhecer Cuba e seu regime político. Depois de muita espera, desembarquei na terra do Comandante no dia 25 de novembro de 2016. Pretendia conhecer o modus vivendi cubano e, principalmente, sua música.

    No dia seguinte, pela manhã, eclodiu a notícia de que Fidel Castro havia morrido e, totalmente sem música, nos sete dias em que fiquei em Havana e Varadero constatei "in loco" a impressão do povo cubano a respeito da revolução.

    A melhor definição que tive a respeito da vida cubana foi de minha mulher: "Parece que nós estamos em um zoológico de humanos".

    A cidade, que parou nos idos de 1959, parecia ter passado por uma guerra, tamanha a degradação das construções. Um taxista me explicou que os únicos carros modernos que transitam pelas ruas de Havana pertencem a locadoras de veículos e, excepcionalmente, são utilizados por funcionários mais gabaritados do governo.

    A prostituição de crianças à luz do dia campeia solta nas ruas de "Havana vieja", tendo como moeda de troca a oferta aos estrangeiros de reles sabonetes, shampoo e cremes utilizados nos hotéis.

    A informação é pouca ou quase nenhuma. O telefone celular, a internet e a mídia eletrônica começaram a ser utilizados pelos cubanos há pouco mais de 5 anos. A TV a cabo é um luxo apenas para os turistas.

    As artérias esburacadas e fossas transbordando denotam a falta de um eficiente serviço de água e esgoto, em contraste à imagem que se vende ao restante do mundo.

    A saúde, segundo os cubanos, está em frangalhos. Médicos cubanos são enviados para a Venezuela em troca de gasolina e petróleo. Há rumores de que os que que participam do programa Mais Médicos no Brasil foram enviados em troca da construção do porto de Mariel.

    O salário mínimo é representado pela quantia de 10 COC, o que equivale a 25 pesos cubanos, valor este de compra de 1 kg de arroz e 1 kg de feijão.

    Todos com quem conversei confessaram, de um modo velado, querer alcançar o Shangri-La -ou seja, Miami. Ali, na Little Havana, a notícia da morte de Fidel foi recebida com um verdadeiro Carnaval de rua.

    Na minha chegada, pude ouvir boa música e constatei a qualidade dos profissionais cubanos, mas o decreto de luto por nove dias calou a população, proibida, inclusive de consumir bebida alcoólica.

    Soube pelo taxista que nos servia que casas de show que desrespeitaram a ordem tiveram seus proprietários e turistas levados para a delegacia. Infelizmente, não pude conhecer o Buena Vista Social Club, mas essa viagem serviu a dar valor a direitos básicos de todo cidadão: ir, vir e ficar.

    Oswaldo (nome fictício do taxista que me conduziu) anseia visitar a esposa que conseguiu fugir para os EUA; oxalá consiga, estando, contudo, à mercê de rígidos procedimentos impostos pelo governo, os quais incluem, entre outros, não possuir nenhum antecedente criminal.

    De outro lado, sua ausência de Cuba não pode ultrapassar seis meses, sob pena de, se assim ocorrer, ter o imóvel confiscado pelo sistema.

    A viagem me levou à conclusão inarredável da importância fundamental da liberdade.

    JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO, mestre em processo penal pela USP, é desembargador decano do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

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