• Opinião

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    José Renato Nalini

    Comece em casa

    DE SÃO PAULO

    05/01/2017 02h00

    Os chineses têm um ditado instigante: se você quiser mudar o mundo, comece por dar várias voltas dentro de sua casa. Com certeza, todos encontraremos algo a ser modificado e isso depende só de nós.

    Tal postura propõe o uso de uma virtude esquecida: a humildade. Reconhecer nossas limitações. As mudanças estruturais também dependem de alterações microscópicas.

    Cabe uma reflexão oportuna. Todos estamos insatisfeitos com a situação do Brasil. Uma conjunção de fatores nos levou a um quadro geral de desalento e de falta de perspectivas. Nem por isso devemos arremessar a toalha e desistir de lutar.

    Cada qual pode realizar alguma coisa convergente com a urgência na conversão de rumos.

    A ordem democrática instaurada em 1988, com a adoção de uma Constituição Dirigente, sinalizou um projeto de nação de base principiológica. Implementou-se um país hermenêutico, em que a cada intérprete é dado fazer leitura individual de um único texto normativo. Daí as decisões díspares e até antagônicas, a partir da mesma dicção da lei.

    A judicialização da vida brasileira decorre também disso e não apenas do prestígio que o constituinte conferiu ao Poder Judiciário, responsável pela apreciação de todo e qualquer problema.

    Acrescente-se a profusão de direitos fundamentais. Uma infinidade de bens da vida é fruível e garantida por ordem judicial a quem se servir do amplo acesso à Justiça. A possibilidade de conversão de qualquer bem, valor, interesse, pretensão ou até idiossincrasia em direito humano fundante foi bastante dilatada pelo constituinte.

    No momento em que a nação se defronta com a dura e fria realidade, insubmissa a princípios, surge o choque de perplexidade e inconformismo. Como é que o país não consegue satisfazer a contento e em oportuno a todas as demandas?

    O aspecto saudável da "policrise" é fazer a nacionalidade repensar a estrutura do Estado e revisitar o conceito de governo. Uma democracia participativa requer protagonismo cidadão. Não se compatibiliza com a população tutelada e dependente do Estado para a obtenção de todos os bens da vida.

    Impõe-se uma tomada urgente de consciência. Cada brasileiro pode fazer algo para que o Brasil consiga superar estes tempos nefastos –trabalho sério, criatividade, engenho e empreendedorismo, auxílio aos mais necessitados, tutela eficaz da natureza.

    Não há quem não possa realizar algo de construtivo no resgate dos valores e da autoestima pátria.

    Na educação, por exemplo, um ponto frágil de nossa República, impõe-se a cada adulto se interessar pela escola e pelo estudante. Incentivar a leitura, auxiliar no letramento, ajudar a realizar cálculos matemáticos, premiar as boas práticas. É começar do princípio para chegar às alturas de nossos sonhos.

    Somos peritos em idealizar, quando não em fantasiar; hábeis em exigir e reclamar, menos operantes e prestativos em oferecer a nossa contraparte para a obtenção de resultados que se destinam ao aprimoramento do convívio entre as pessoas.

    Convívio ressentido, fissurado e vulnerável, sequioso por regeneração dos tecidos fragmentados, cuja recuperação pode começar em nossa casa. É o que se espera daqueles cuja consciência impõe reação consistente a um estado de coisas que não pode perdurar.

    JOSÉ RENATO NALINI é secretário da Educação do Estado de São Paulo. Doutor em direito constitucional pela USP, foi presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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