• Opinião

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    FLÁVIO ROCHA

    O presunto e as moscas

    09/01/2017 02h00

    A corrupção no Brasil é endêmica. Convive conosco desde o Descobrimento. Basta ler a carta do escrivão da expedição de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha, ao rei de Portugal que se vê ali um pedido de resolução de questões privadas por vias públicas. O genro de Caminha havia sido condenado a degredo por ter cometido um crime.

    "A Ela [Vossa Alteza]", escreve Caminha no último parágrafo da carta, "peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'ela receberei em muita mercê".

    Por que eu deveria, então, dar continuidade a este artigo se já em 1º de maio de 1500 essa praga habitava terras brasileiras? Não haveria sentido em ocupar um espaço tão nobre quanto este para abordar um problema insolúvel.

    Apesar de o senso comum nos dizer que o Brasil sempre foi e que sempre será assim, acreditar que a corrupção no país jamais deixará de ser uma chaga é não olhar para a causa do problema, apenas para a consequência.

    Imagine a sala de uma casa e que na janela dessa sala exista um enorme e apetitoso presunto. Não é preciso esperar muito tempo para que uma nuvem de moscas venha tomar conta do ambiente e passe a zanzar em volta desse presunto.

    Abanar o pedaço de carne na janela não vai adiantar absolutamente nada. Além disso, as moscas porão seus ovos no presunto e ali se reproduzirão. Será possível passar o resto dos dias abanando o presunto que os insetos jamais lhe deixarão em paz.

    Essa analogia serve para ilustrar a seguinte ideia: prender os corruptos é necessário, mas só isso não é suficiente. O sistema vai se encarregar de fazer com que eles se reproduzam. Da forma como os negócios públicos são feitos, podemos trocar todos os bandidos por pretensos mocinhos que logo os mocinhos se tornam bandidos.

    Os que não aceitarem entrar no esquema serão automaticamente ejetados do processo. É preciso, portanto, mudar o sistema –ou seja, tirar o presunto da janela.

    Fazer a corrupção chegar a níveis bem menores no Brasil pode ser mais simples do que se pensa. É preciso, em primeiro lugar, deixar o Estado enxuto, diminuindo ao máximo o número de estatais e, no caso das empresas estratégicas, é necessário tirar o monopólio delas, atraindo ao país concorrentes para estimular a competição.

    Assim, negócios escusos envolvendo dinheiro público serão reduzidos naturalmente. Com isso, o Estado estimula a meritocracia, que é a essência do sucesso no ambiente concorrencial.

    Um comprador de sapatos de uma loja de departamentos que recebe propina para comprar de um determinado fornecedor, por exemplo, vai tirar do mercado a empresa para a qual trabalha porque esse sapato, invariavelmente, custará mais caro do que na concorrência.

    No caso de uma companhia como a Petrobras, que atua sozinha em diversas áreas, estamos vendo agora como os preços eram dados e o custo que isso trouxe ao país.

    O melhor exemplo de como a concorrência só traz benefícios aos serviços, especialmente os públicos, é os Correios. A parte da estatal que tem concorrência, o Sedex, é eficiente, enquanto a parte monopolista da empresa padece de todos os males da falta de meritocracia e do monopólio.

    O Estado deve, portanto, ser encarado como um prestador de serviços à sociedade. Deve atuar em prol do aluno da rede pública, do paciente do Sistema Único de Saúde, do aposentado.
    A estrutura estatal deve servir à população, e não a quem dela se apropriou. E o livre mercado, que é o antídoto natural contra a corrupção, deve ser o inspirador e o agente principal desse processo.

    FLÁVIO ROCHA é presidente da Riachuelo e vice-presidente do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo)

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