• Opinião

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    editorial

    Triste sobrevoo

    11/01/2017 02h00

    Episódios sobre viagens aéreas constituem capítulo à parte na crônica política brasileira. Nem sempre se caracterizam por irregularidade, mas com frequência merecem a marca do escândalo —ainda que não pelas cifras envolvidas.

    O caso mais recente, noticiado por esta Folha, diz respeito a despesas com diárias e passagens aéreas internacionais. Os tribunais da cúpula do Judiciário gastaram em 2015 cerca de R$ 3,4 milhões com essa finalidade; o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão de assessoria do Legislativo, desembolsou outros R$ 3,9 milhões.

    Os montantes não causam espanto. Basta dizer que o deficit federal de 2016 monta a quase R$ 170 bilhões e que a Justiça, em dois anos, já pagou aos juízes mais de R$ 1,5 bilhão a título de auxílio-moradia (de quase R$ 4.400 mensais) escudado em decisão provisória de Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

    Ainda assim, e mesmo que se leve em conta a importância do intercâmbio com outros países, o dispêndio é inaceitável —apenas reflete o pouco valor que se dá ao dinheiro do contribuinte no Brasil.

    O ministro Dias Toffoli, por exemplo, membro do STF, viajou 13 vezes ao exterior em 2015, quando presidia o Tribunal Superior Eleitoral. Seus voos custaram ao todo R$ 149,4 mil, quase R$ 11,5 mil por bilhete. Não lhe ocorreu economizar?

    Quando questionadas, em geral as autoridades afirmam que observaram a lei. No começo do ano, foi essa a justificativa de Fernando Pimentel (PT), governador de Minas Gerais, após usar um helicóptero do Estado para buscar o filho depois de uma festa de Réveillon.

    O senador Aécio Neves (PSDB-MG) adotou argumentação semelhante ao explicar suas idas ao Rio de Janeiro de 2003 a 2010, quando era governador. Foram 124 viagens em avião oficial, a maioria delas entre quinta-feira e domingo.

    Aventar a legalidade de um ato, contudo, não basta quando se cuida da administração pública. Há que considerar a moralidade, que certamente foi violada nesses casos, bem como eficiência, que sem dúvida faltou na expedição de Walton Alencar à Geórgia, em 2015.

    Tendo ido na condição de ministro do TCU, Alencar utilizou bilhete que custou inacreditáveis R$ 55 mil e frequentou um grupo de trabalho com auditores fiscais de nove países, entre os quais Ucrânia, Iêmen, Zâmbia, Moldova e Ilhas Fiji. Não é difícil imaginar aplicação melhor para o dinheiro.

    Para completar, o STF, em desrespeito ao princípio da publicidade, há oito meses não fornece dados detalhados sobre viagens e diárias de seus ministros e servidores.

    Em meio aos desvios bilionários dos escândalos de corrupção, talvez percam importância episódios como esses; nesse sobrevoo, entretanto, tem-se um retrato da administração pública brasileira, emoldurada em princípios que poucos fazem questão de respeitar.

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