• Opinião

    Monday, 06-May-2024 10:23:23 -03

    JERSON KELMAN

    Bem individual, mal coletivo

    12/01/2017 02h00

    Recente editorial da Folha ("Prazo esgotado", 5.jan) chama a atenção para a posição absurda da maioria dos 318 proprietários de imóveis que foram chamados a negociar com a Sabesp as respectivas conexões à rede de esgoto, num mutirão de conciliação do Tribunal de Justiça de São Paulo.

    Desses 318, apenas 78 concordaram em regularizar a situação. A maioria preferiu enfrentar a Sabesp na Justiça. E esse contingente é apenas a ponta do iceberg. Como bem aponta o editorial, "só na região metropolitana de São Paulo são 65 mil imóveis desconectados da rede coletora disponível em suas portas".

    Seus proprietários talvez não saibam, mas atuam contrariamente ao que determina a Lei 11.445/2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico.

    O esgoto não coletado contribui para a poluição local, afetando a saúde e a qualidade de vida não apenas do transgressor, mas também de seus vizinhos.

    Num dia quente, quem caminha pelas calçadas às vezes percebe cheiro ruim proveniente dos bueiros localizados junto à sarjeta, por onde deveria escoar exclusivamente água da chuva. Isso ocorre porque na vizinhança há proprietários de imóveis que se recusam a fazer a ligação à rede de esgoto disponibilizada pela Sabesp e preferem a ligação clandestina à rede de drenagem, administrada pela prefeitura.

    Chegamos a tal situação devido à tolerância da sociedade com a prevalência dos direitos individuais sobre os coletivos. A não conexão das tubulações sanitárias à rede da Sabesp tem duas possíveis explicações: (a) o proprietário do imóvel não tem dinheiro para fazer a pequena obra de condução do "seu esgoto" para a "caixa da Sabesp"; (b) ele não quer passar pelo transtorno da obra e/ou não quer pagar pelo serviço de coleta de esgoto.

    Para os mais carentes, que se enquadram na categoria (a), existe um programa do Governo do Estado (Se Liga na Rede) que faz a obra gratuitamente. Os que se enquadram na categoria (b) agem como se a decisão de fazer ou não a conexão fosse opção de caráter individual.

    Como a Sabesp poderia atuar mais diligentemente para cessar esse absurdo, como cobrado pelo editorial? A mais óbvia medida seria desconectar da rede de água os que optam por não conectar seus imóveis à rede de esgoto, a despeito de terem condições financeiras para isso.

    A lógica é cristalina: se não há água na torneira, não há produção de esgoto. Porém, a Lei 11.445/2007 não inclui essa possibilidade entre as hipóteses admitidas para o corte de fornecimento.

    A partir de fevereiro de 2016, a Sabesp passou a exigir a simultânea conexão às duas redes nos pedidos de novas ligações. Portanto, estancamos o crescimento do problema.

    Resta solucionar o passivo. Para isso, a Sabesp tem buscado apoio do Ministério Público e das prefeituras, que têm o poder de multar os faltosos, o que lamentavelmente não está ao alcance da Sabesp.

    Uma melhor coordenação com os municípios permitiria alcançar dois objetivos: obstrução das ligações clandestinas à drenagem, o que faria com que o esgoto ficasse retido no imóvel irregular; e correção das ligações indevidas da água de chuva nas redes da Sabesp, o que diminuiria a frequência de transbordamento de esgoto.

    Finalmente, solução mais abrangente seria acabar com o incentivo para a burla por meio da fusão das tarifas de água e de esgoto em única tarifa de saneamento. Afinal, trata-se de único serviço. Essa medida desestimularia os que buscam o bem individual à custa do mal coletivo.

    JERSON KELMAN é presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo)

    PARTICIPAÇÃO

    Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024