• Opinião

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    CARLOS GUSTAVO POGGIO TEIXEIRA

    Cautela sobre Trump

    12/01/2017 02h00

    Enquanto a Primeira Guerra Mundial avançava na Europa, o slogan da campanha de reeleição do então presidente Woodrow Wilson em 1916 era: "Ele Nos Manteve Fora da Guerra", insinuando que a eleição de seu adversário Republicano, Charles Evan Hughes, poderia significar o envolvimento dos Estados Unidos no conflito europeu.

    Wilson venceu a eleição com uma margem apertada e, no ano seguinte, declarou guerra à Alemanha.

    Alguns eventos do início de 1917, como a retomada da guerra submarina pelos alemães e o famoso telegrama Zimmermann, mudaram os planos de Wilson. Além disso, a derrubada do czar russo removeu o constrangimento de lutar ao lado de um monarca absoluto, permitindo que Wilson alegasse entrar na guerra para tornar o mundo "seguro para a democracia".

    Baseando sua campanha de reeleição no fato de ter mantido os Estados Unidos fora do conflito europeu, Wilson terminou como uma figura central no pós-Guerra.

    Em plena Guerra Fria, o presidente recém-eleito Jimmy Carter fez um famoso discurso afirmando que os Estados Unidos estavam finalmente livres do "medo excessivo do comunismo". A eleição de Carter era a promessa de uma nova fase da distensão da Guerra Fria.

    Entretanto, com a invasão soviética ao Afeganistão no final de 1979, o presidente americano mudou completamente de postura.

    Afirmando à época que "minha opinião sobre os russos mudou drasticamente", Carter liderou uma série de retaliações político-econômicas à União Soviética, levando a um recrudescimento da Guerra Fria.

    Iniciando seu mandato com a promessa de superar as armadilhas do conflito bipolar, Carter terminou proclamando uma das mais clássicas das doutrinas da Guerra Fria, admitindo o uso da força militar caso a União Soviética interviesse no Golfo Pérsico.

    Durante as eleições de 2000, o ex-governador do Texas George W. Bush demonstrava pouco interesse em questões de política externa.

    Criticando as intervenções militares feitas pela administração Clinton nos conflitos nos Balcãs, Bush rejeitou a ideia de que os Estados Unidos deveriam participar de processos de "nation-building". Durante um debate de campanha, Bush argumentou que os Estados Unidos não deveriam ser uma "nação arrogante" e prometeu seguir uma política externa "humilde".

    Oito meses após assumir o cargo, os ataques terroristas de setembro de 2001 levaram a uma reorientação completa dos planos da administração Bush, que acabou invadindo o Afeganistão e o Iraque, envolvendo os Estados Unidos exatamente no tipo de prática que o candidato afirmava querer evitar e à uma política externa longe de ser caracterizada "humilde".

    Ainda que bastante diferentes entre si, Wilson, Carter e Bush eram políticos convencionais, tendo sido governadores de seus respectivos Estados antes de se candidatarem à presidência.

    Portanto, é possível assumir algum grau de previsibilidade em suas ações, o que permitia que analistas tivessem algum conforto em seus prognósticos.

    Porém, o que os casos acima ilustram é que eventos inesperados levaram a uma reorientação completa de suas políticas externas, invalidando todas as análises baseadas nos discursos de campanha dos candidatos.

    No caso de Donald Trump, cuja presidência dos Estados Unidos é o primeiro cargo político que ocupa, os esforços analíticos que pretendem apontar os rumos de sua administração ficam ainda mais comprometidos. Em um ano em que tantas previsões se mostraram espetacularmente equivocadas, uma dose adicional de cautela se faz necessária.

    CARLOS GUSTAVO POGGIO TEIXEIRA é especialista em política americana e professor de Relações Internacionais da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado) e da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)

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