• Opinião

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    DANIELA TEIXEIRA

    Não existe cidade linda sem catadores

    19/01/2017 02h00

    Janeiro começou com a posse dos novos prefeitos dos mais de 5.500 municípios brasileiros e em vários deles a transmissão do cargo foi tumultuada ou truncada por denúncias de corrupção e improbidade.

    A sujeira, no sentido figurado da palavra, é um dos grandes desafios dos governos municipais, estaduais e federal.

    Mas a sujeira, no sentido literal, também é: a geração de resíduos sólidos urbanos no Brasil cresceu 29% entre 2003 e 2014, cinco vezes mais que a taxa de crescimento da população brasileira nesse período, que foi de 6%, segundo a Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais).

    Ou seja, o lixo, que sempre foi um item crítico da agenda municipal, tende a ganhar cada vez mais relevância e exigir a expansão da coleta seletiva, sem a qual é impossível enfrentar o crescimento na geração de resíduos.

    A reciclagem é também fundamental para que as cidades cumpram os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU –e não só o ODS 11, "Cidades e Comunidades Sustentáveis". De maneira interdependente, a reciclagem pode contribuir para se atingir todos os 17 objetivos se contar com a participação dos catadores.

    Trabalhando de modo autônomo pelas ruas ou organizados em cooperativas e associações, os catadores retiram das ruas diariamente toneladas de resíduos sólidos urbanos, contribuindo diretamente com a coleta de recicláveis, limpeza pública, logística reversa e preservação de recursos naturais.

    Sua valorização representa desde a agenda de inclusão de uma parcela socialmente fragilizada da população, movimentando um setor econômico inteiro, até a contribuição direta para a preservação e recuperação da água, do solo e outros recursos naturais.

    A valorização do trabalho dos catadores é um fenômeno global: estima-se que existam mais de 64 milhões deles pelo mundo, também em cidades como Berlim, na Alemanha, e São Francisco, nos Estados Unidos, que possuem sistemas de coleta seletiva amplos e eficientes.

    Em Nova York existem mais de 7.000 catadores que são remunerados pela logística reversa do imposto de cada embalagem.

    A atuação dos catadores reduz drasticamente os gastos operacionais das prefeituras e das empresas contratadas para a coleta seletiva, aumentando também a vida útil dos aterros.

    De acordo com o Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), "os catadores aumentam a eficiência na coleta seletiva".

    Por isso, as catadoras e catadores não podem continuar "invisíveis" para nossa sociedade e os prefeitos que estão assumindo seus mandatos.

    Apesar da importância das cooperativas e associações ter sido reconhecida na Política Nacional de Resíduos Sólidos, precisamos de ações de fato efetivas e inovadoras em políticas públicas que promovam a valorização social e econômica desses profissionais.

    Com a comunidade internacional engajada no cumprimento das metas do acordo climático de Paris, que entrou em vigor em 2016, a transição para uma produção mais sustentável e de baixo carbono passa necessariamente pela logística reversa, pela economia circular, pela reintegração das matérias-primas nas cadeias de produção de tudo o que consumimos.

    Em São Paulo, os 25 mil catadores da cidade têm papel fundamental para que essa transição aconteça de maneira mais acelerada e eficiente.

    Em tempos de Cidade Linda, é importante ter em mente que não basta ampliar a coleta municipal, nem há decoração que consiga deixar as ruas mais "charmosas" sem resolvermos a gestão integrada dos resíduos.

    As soluções são várias, precisam ser desenvolvidas coletivamente e passam necessariamente pela inclusão dos catadores –eles são parte essencial da solução.

    DANIELA TEIXEIRA, produtora cultural, é integrante da ONG Pimp my Carroça

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